Starbucks: como transformar uma operação jurídica num desastre empresarial

Falta de produtos multiplica “lojas fantasma”; não existe previsão de retomada

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Em 2006, então editor-executivo da Revista Veja, fui testemunha privilegiada da chegada da gigante Starbucks no Brasil. Naquele ano, recebi um telefonema da jovem empresária Maria Luisa Rodenbeck. Ainda era segredo, contou ela, mas a Starbucks, enfim, abriria lojas no Brasil.

Era uma notícia que ia além do mundo dos negócios. O Brasil dominara por séculos a produção mundial de café, e a história política, econômica e social do país sempre espelhou os ciclos de preços do produto.

Já a Starbucks vinha escrevendo um capítulo contemporâneo da história do café. Nascida em Seattle como um pequeno ponto-de-venda do produto em grãos de alta qualidade, conquistou mais de 45 milhões de frequentadores semanais no mundo todo.

O negócio também ganhava cores especiais porque Maria Luisa era casada com o americano naturalizado brasileiro Peter Rodenbeck, lendário empresário responsável por ter trazido o McDonald’s para o Brasil em 1979 (pode-se dizer que foi o pai do fast-food no Brasil). Peter mais tarde consolidou sua áurea de sucesso por ter negociado a vinda do Outback, em 1997.

O casal queria que eu escrevesse uma matéria exclusiva sobre a vinda da Starbucks, negócio que queriam divulgar com exclusividade. Esclareceram que Maria Luisa encabeçaria o negócio, e que Peter seria apenas seu consultor informal. Topei o desafio, mas impus, como condição, uma viagem a Seattle para entrevistar Howard Schultz, então presidente do conselho de administração da Starbucks.

Fui à Seattle, acompanhei as atividades da empresa por uma semana e conversei muito com Schultz. Sobre café. Sobre bolhas empresariais. Sobre Silicon Valley. Sobre o Brasil. E sobre parcerias. Schultz gabava-se de, no mundo todo, a Starbucks ter se desentendido apenas com um sócio local – em Israel.

Retornei ao Brasil e pude testemunhar o sucesso do início das operações da Starbucks. Até uma tragédia fazer murchar meu interesse pelo assunto. Em 2007, meses depois da inauguração da Starbucks no Brasil, minha amiga Maria Luisa morreu num acidente de trânsito estúpido no Rio de Janeiro. Ainda muito jovem e cheia de vida.

Em 2018, soube que o direito exclusivo de operação da Starbucks no País foi adquirido pela Southrock, conglomerado dono de um mundo que ia muito além do café. Detinha as redes de fast food T.G.I. Friday’s e Subway, a rede italiana de mercados Eataly e a empresa de serviços de alimentos e bebidas multimarca que atua nos maiores aeroportos do país.

No final de 2023, a SouthRock entrou com um confuso pedido de recuperação judicial alegando que suas operações foram prejudicadas, entre outros fatores, pela alta instabilidade no país, pela volatilidade da taxa de juros e pelas constantes variações cambiais.

Desde então, o inacreditável acontece. Fornecedores pararam de vender para a Starbucks. Falta quase tudo na lojas. Falta base de limonada. Faltam frutas para refrescos. Faltam frutas para toppings. Faltam simples tampas de plástico para copos de plástico. Muitas vezes, a lista dos produtos faltantes supera a dos disponíveis.

A cada dia que passa a imagem da companhia vale menos no Brasil. As lojas da Starbucks sangram. Não há previsão de retomada. A matriz já percebeu isso e moveu um processo para reaver o licenciamento.

Vejo tudo com tristeza.

O Faria Lima Journal ouviu a empresa SouthRock, responsável pelo pedido de recuperação judicial da Starbucks. Recebeu a resposta abaixo:

“A SouthRock está sob processo de recuperação judicial e não comentará detalhes sobre a sua operação neste momento.
A SouthRock passa por reestruturações internas que podem afetar temporariamente a disponibilidade de produtos em suas lojas. A empresa agradece seus clientes pela compreensão e reforça que segue comprometida em normalizar a situação o mais rápido possível. A SouthRock confirma a aprovação do seu pedido de Recuperação Judicial, concedida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo nesta terça-feira, 12 de dezembro de 2023. Com essa importante decisão, a companhia dará sequência ao processo de reestruturação de suas operações, já iniciado com o apoio de consultores externos e stakeholders, que tem como objetivo proteger as marcas que representa, os Partners (colaboradores), os consumidores e as suas lojas.
 
Esta decisão estratégica tem como objetivo ajustar o modelo de negócio à atual realidade econômica e reforça o compromisso da SouthRock em defender a sua missão e seus valores, enquanto entra em uma nova fase de desafios.
 
A companhia reitera que os compromissos assumidos com os seus credores serão respeitados, seguindo as etapas, determinações e prazos legais para o desenvolvimento do processo e aprovação do plano de recuperação judicial. A companhia afirma estar totalmente dedicada a tomar todas as medidas legais cabíveis para agilizar a conclusão de cada uma das fases processuais.
 
Enquanto os ajustes estruturais são implementados e as etapas legais da Recuperação Judicial são seguidas, as marcas do portfólio SouthRock (Starbucks, TGI Fridays, e B.A.R. – Brazil Airport Restaurants) seguem operando normalmente.”