O destempero do presidente Lula com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, na semana passada, diz pouca coisa sobre política monetária, e muito sobre política eleitoral.
RCN, como foi apelidado, acabara de receber uma homenagem do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), na Assembleia Legislativa paulista.
Homenagem à qual compareceram alguns banqueiros. E na qual Tarcísio fez um discurso extremamente elogioso à RCN, ao qual referiu-se como o melhor banqueiro central do mundo e, acima de tudo, um “amigo” com quem teve a honra de trabalhar no governo Bolsonaro. Tarcísio, todos sabem, é a maior aposta da oposição à Lula nas eleições de 2026.
O evento foi traduzido pelos assessores de Lula como o anúncio de que, caso Tarcísio seja eleito, RCN será certamente o seu ministro da Fazenda. Foi entendido também como uma provocação, pois RCN, sendo um servidor federal, técnico, não deveria fazer festejos com políticos da oposição – principalmente Tarcísio, que, ao contrário de Lula, está bem nas pesquisas de opinião.
À rádio CBN, Lula acusou o governador Tarcísio de ter mais influência nas decisões do Banco Central do que ele. “Sinceramente, tem mais do que eu”, afirmou. Disse mais: “O que é importante é saber a quem esse rapaz [Campos Neto] é submetido? Como é que ele vai numa festa em São Paulo quase que assumindo a candidatura a um cargo do governo de SP? Cadê a autonomia dele?”, questionou Lula, que chamou RCN de “inimigo político”.
A narrativa de Lula começou a embolar-se quando criticou a imprensa, banqueiros e RCN de produzirem um clima de alarmismo fiscal, exagerando os riscos de descontrole das contas públicas, mas deixarem de se indignar com uma taxa de juros a 10,5% ao ano, que seria alta demais para a atual taxa de inflação, de cerca de 4%.
Lula, nesta última crítica, deu um tiro no pé. Disse que “isso” acabaria porque RCN será logo defenestrado do cargo (seu mandato termina no final do ano) e, então, Lula poderá nomear alguém mais alinhado com a ala de pensamento desenvolvimentista.
O problema é que, logo depois dessa declaração, todos os membros do Copom (Comitê de Política Monetária), incluindo os quatro indicados pelo PT, decidiram manter a taxa em 10,5%. O que Lula fará? Manterá seus quatro indicados, mesmo tendo eles dado o mesmo voto que RCN, seu “inimigo político”?
O saldo de todo esse episódio é que Lula deixou escapar sua preocupação com a situação econômica do país e com o fato de que o governo Tarcísio tem taxas de aprovação melhores que as de seu governo.
Quanto a RCN, as falas de Lula apenas o fortaleceram entre os seus. E aumentaram o seu cacife para janeiro de 2025, quando estará fora do cargo.