Coluna de Marcio Aith para o FLJ

Fortaleza: de consquista pioneira do PT à reflexão amarga

Crédito: Manuel Cunha, em 17/11/1985/ O POVO  - Crédito: Thiago Gadelha
Crédito: Manuel Cunha, em 17/11/1985/ O POVO - Crédito: Thiago Gadelha

Cidade do nordeste torna-se mais uma vez a única capital governada pelo PT

As eleições municipais no Brasil, realizadas no último domingo (27), deixaram uma marca profunda na trajetória do Partido dos Trabalhadores (PT). O resultado evidenciou uma significativa perda de influência: o partido viu encolher o número de habitantes governados por seus prefeitos e ficou ausente de capitais historicamente relevantes, como Porto Alegre, São Paulo e Belo Horizonte. Em meio a um cenário desolador, a única vitória do PT ocorreu em Fortaleza, onde Evandro Leitão foi eleito prefeito.

Recuando 40 anos, a história revela um momento de contrastes e coincidências. Em 1985, também em Fortaleza, Maria Luíza Fontenele fez história ao ser eleita a primeira mulher a governar uma capital brasileira. Representando o PT, então um partido jovem e de oposição, ela protagonizou a primeira vitória da legenda em uma capital, rompendo expectativas e o cenário eleitoral da época. Nas pesquisas, Fontenele era uma candidata improvável: enquanto Paes de Andrade liderava com 50% das intenções de voto e Lúcio Alcântara figurava em segundo lugar com 21%, a jovem professora de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC) aparecia em terceiro, com apenas 10%. Contudo, contrariando as previsões, ela venceu.

Fontenele assumiu uma Fortaleza endividada, com uma folha de pagamento quase equivalente à receita do município, enfrentando um cenário político e financeiro adverso. Sem recursos, sem apoio do governador Tasso Jereissati e com uma postura socialista, ela enfrentou desafios históricos, como uma greve geral dos servidores municipais e uma forte insatisfação popular, o que resultou em sua expulsão do PT.

Apesar dos obstáculos, Fontenele abriu caminho para o crescimento do partido nas eleições seguintes, inspirando vitórias como a de São Paulo em 1988, com outra Luiza, a Erundina. A gestão de Fontenele a transformou em símbolo e motivo de orgulho para o PT, que, quatro anos depois, em 1989, lançaria pela primeira vez seu principal líder, Luiz Inácio Lula da Silva, como candidato à presidência (a vitória presidencial viria apenas em 2002, 13 anos depois, na quarta tentativa).

Ao chegar ao poder, o PT consolidou seu protagonismo na política brasileira com iniciativas como o Bolsa Família, que marcou o cenário nacional. No entanto, o contexto atual revela um contraste: em 2024, assim como em 1985, Fortaleza é a única capital governada pelo PT. Desta vez, porém, não há euforia; o momento é de desânimo e críticas. O resultado das urnas desencadeou uma crise interna no partido, evidenciada pelos conflitos entre o ministro das Relações Institucionais do governo, Alexandre Padilha, e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.

Para se ter uma ideia do desempenho insuficiente, o PT elegeu apenas 17,8% dos seus candidatos em 2024. Em um ranking com 29 partidos, o PT ocupa a 16ª posição, enquanto legendas como PSD e PP elegeram 50,9% e 50,1% de seus candidatos, respectivamente. O fracasso é ainda mais evidente em São Paulo, onde os prefeitos eleitos pelo partido governam apenas 1,1% de uma população de 44 milhões de habitantes.

Fortaleza, que um dia celebrou uma vitória pioneira e inesperada, hoje reflete os desafios enfrentados por um partido que, apesar do passado vitorioso, carrega o peso das expectativas e das disputas internas. A coincidência entre as vitórias de 1985 e 2024 vai além de uma curiosidade histórica; representa como o tempo e as circunstâncias podem transformar o significado de uma conquista. Aquilo que foi um marco de esperança torna-se agora um convite à reflexão sobre o presente e o futuro do partido.