Por Hellen Breunig
São Paulo, 23/01/2023
Quarenta e dois anos após a sua morte, Juan Domingo Perón e sua memória ainda conduzem a Argentina. Para trás. Na foto acima, num bar do notívago bairro de Palermo Viejo, um luminoso alerta: “o capitalismo mata o amor”. Não é uma brincadeira. Uma parcela substancial e crescente dos argentinos carregam a crença nacionalista e anti-capitalista de Perón. Será que eles estão certos?
Visitei Buenos Aires recentemente e me decepcionei. A capital de um país que já foi um dos mais ricos do globo hoje não passa de um projeto de cidade europeia em decadência. O lixo e as pichações estão por todos os lados. Essa é apenas uma faceta da triste realidade de um povo que mirou uma utópica igualdade e atingiu o caos. Se é que o populismo conseguiu nivelar alguma coisa, foi em um nível muito ruim. Era essa a vontade do povo?
Curiosamente, quanto maior o ativismo dos estabelecimentos comerciais, menor a qualidade do serviço. A emburração e a crítica constante dos funcionários com os patrões são sintomáticas de um povo que tenta alterar a relação entre capital e trabalho e fracassa repetidamente. As volumosas pilhas de notas de dinheiro usadas para pagar a conta de um jantar refletem isso.
A bagunça se estende para além da capital ‘de los hermanos’. Em meio a uma crise de câmbio e taxas de inflação elevadas, o aumento nos preços dos alimentos leva uma parcela da população mais pobre a buscar comida no lixo. Se “o capitalismo mata o amor”, o anticapitalismo pode matar de fome.
Na tentativa de solucionar os problemas, o governo busca saídas alopradas, que além de não funcionarem, não convencem ninguém de que pode funcionar. O resultado? Um povo descrente da sua moeda, que poupa em dólares e assim, destrói a capacidade das autoridades de fazer qualquer política monetária. A inflação do país é de cerca de 90% e a taxa de juros, de 75%.
Esse caos monetário, a fragilidade geopolítica da Argentina no contexto internacional e a absoluta descrença dos argentinos nas suas instituições levam a pensar que é o anticapitalismo que mata: não o amor, mas o câmbio. A taxa de câmbio oficial dos ‘hermanos’ é uma mentira que, na prática, apenas tenta empobrecer as elites exportadoras do agronegócio e barateia artificialmente algumas importações, aprofundando a crise de competitividade da indústria do país.
A taxa de câmbio de verdade, dos chamados dólares azuis, é que faz o jogo cambial para as famílias argentinas. Estranhamente, torna o país extremamente barato de visitar para nós, estrangeiros, que levamos dólares em papel-moeda na bagagem para obter taxas de câmbio duas vezes melhores que no cartão de crédito.
Me pergunto se os argentinos gostariam de sair desse caos e como a memória de Perón ancora as perspectivas de melhora. Não sei também se o nacionalismo anticapitalista do “Movimento Nacional Justicialista”, ou peronismo, berço político-ideológico do Kirchnerismo que comanda o país neste século, poderá ser superado. Será que os argentinos, nas eleições gerais deste ano, ou numa próxima, conseguirão entender que este caminho não está levando o país ao progresso?
Em meio ao crescimento da esquerda populista na América do Sul, pode ser que o anticapitalismo preserve o amor, mas mate o futuro da nação com as menores taxas de analfabetismo da américa latina e campeã mundial de futebol.
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