Por Marcio Aith e Erick Matheus Nery
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), passou no primeiro “teste de fogo” da sua gestão ao sinalizar uma gestão técnica na área econômica do governo Lula. Porém, ele tem outro desafio à vista: provar que não está propagandeando aos quatro ventos uma “matemática criativa” ao repetir constantemente que irá zerar o déficit fiscal já em 2024.
Segundo o ministro, já no próximo ano, as contas públicas estarão no “azul”. Ou seja, as receitas do governo serão maiores do que as despesas. Para tentar entender a promessa de Haddad, o Faria Lima Journal (FLJ) questiona os economistas Marcos Mendes, Felipe Salto, José Roberto Mendonça de Barros, Mansueto Almeida e Marianna Costa sobre o tema. E a resposta é unânime: ninguém sabe onde nem como essa conta fecha.
Almeida, ex-secretário do Tesouro Nacional e atual economista-chefe do BTG Pactual, afirma com todas as letras que “ninguém hoje consegue chegar nesses números do governo”. “O mercado estima para o próximo ano um déficit primário de R$80 bilhões e, ainda, com contingenciamento”, detalha.
Pesquisador do Insper, Mendes reforça que, a partir do momento em que o governo opta por um modelo que deixa o gasto crescer, e “joga todas as fichas” do equilíbrio fiscal no aumento de receitas, não existe outra opção que não seja a busca por novas fontes de arrecadação.
“A cada uma dessas iniciativas tem sido atribuído um potencial de arrecadação sem que se explique as contas que levaram a tal estimativa, e sem que se ofereçam as bases de dados para que os analistas façam as contas – há motivos para se desconfiar de superestimativas, anunciam-se números grandiosos e depois eles vão encolhendo”, alerta o profissional, que prossegue:
“Muitos desses aumentos de receitas dependem de aprovação legislativa, com textos que não sejam mitigados. Ao mesmo tempo em que há a necessidade de aumentar receitas, o próprio governo e o Congresso ampliam despesas e benefícios tributários”, complementa.
Costa, economista-chefe do TC, sintetiza esse cenário delicado da seguinte forma: “O que a gente vê hoje é uma disposição do governo de buscar novas receitas e uma falta de disposição de cortar gastos ou controlar despesas. Nesse cenário, o que se espera para o próximo ano? Que o governo não seja capaz de uma arrecadação extra suficiente que faça com que ele consiga cumprir essa meta fiscal colocada por ele mesmo”.
“Mesmo que todas essas propostas aconteçam, ainda assim faltaria um pedaço dessa arrecadação para fechar essa conta de um déficit zero”, comenta.
Agora, se o problema está nos números, a pergunta correta a ser feita seria “de onde eles estão vindo?”. O ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Mendonça de Barros, diz ao FLJ que toda essa base vem da Receita Federal.
“Quando ela propõe, em geral, ela exagera nos números. Por exemplo, na questão do voto de qualidade do Carf, a Receita colocou que pode arrecadar R$50 bi. Mas 100% das pessoas que conhecem um pouco do Carf dizem que não dá nem a metade disso”, comenta o profissional.
“Então, tem uma superestimação já na partida. Acho que a do Carf é a maior de todas. Além disso, como todos os projetos no Congresso, muitas vezes eles são desidratados em parte”, relembra.
Mendonça de Barros reforça que todos esses números não passam de projeções. A confirmação (ou não) deles só virá em 2024. Assim, caso essas projeções não se cumpram no ano que vem, os gatilhos do novo arcabouço fiscal serão acionados em 2025.
Para o especialista, uma boa analogia desse movimento é quando uma pessoa está com o nome sujo na praça e consegue limpá-lo — situação atual do governo. Contudo, passado alguns meses, essa pessoa volta a gastar mais do que recebe e acaba voltando à temida lista dos negativados — cenário à vista das contas públicas.
NA PRÁTICA
Salto, especialista em contas públicas e atual economista-chefe da Warren Rena, projeta um déficit de 0,9% do PIB no ano que vem. E, na sua análise, já está incluído R$50 bilhões das receitas novas propostas pelo governo.
“O governo tem prometido mais de R$120 bi, já falou até de R$150 bi. Mas, até o momento, não conseguiu mostrar muito bem as contas, as memórias de cálculo, notas técnicas, que a Receita precisa começar a mostrar, abrir essa caixa-preta. Já que o ajuste fiscal está muito fundamentado nesse tipo de medida, não dá para o ministro ficar apenas repetindo que vai conseguir. Tem que começar a mostrar as contas”, destaca.
Segundo Salto, uma das provas de que essa conta não fecha está no projeto do combate à litigiosidade, apresentado no início do ano pelo governo. “Ele pretendia arrecadar R$30 bi neste ano. Até agosto, só conseguiu R$3 bi. Então, você vê que as medidas que o ministro promete não são ruins, mas elas ainda não começaram a mostrar resultado efetivo”.
Esse é o principal desafio do governo, convencer o mercado de que vai conseguir zerar o déficit ano que vem. E, se não conseguir, que é o que todo mundo aposta, fazer valer o arcabouço. Se partir para mudar a meta, aí é caixão e vela preta.
Além do Carf e do litígio zero, Almeida aponta mais uma lacuna nas contas: a mudança do crédito de ICMS do PIS/Cofins. “A expectativa era arrecadar R$30 bi neste ano e R$50 bi no próximo. Até agora essa arrecadação não apareceu e ninguém sabe o porquê”, detalha.
O líder da equipe econômica do BTG Pactual também destaca a tributação dos fundos dos super-ricos e dos dividendos, temas que estão no horizonte do governo. “Esses números do governo estão claramente superestimados. Fizemos o levantamento de várias dessas medidas e não chegamos nem mesmo a 30% do que o governo diz que conseguirá arrecadar”, projeta.
“No orçamento de 2024, o governo pode colocar o que ele acha que vai arrecadar. Mas na primeira revisão bimestral do orçamento aprovado, em março de 2024, ele terá que cortar qualquer frustração de receita e, se isso acontecer, ele terá que bloquear até R$60 bilhões do orçamento”, avisa Mansueto.
Mendes diz que “dificilmente as metas do resultado primário serão atingidas” e também argumenta que “o arcabouço é inconsistente”. “Apenas um choque positivo em preços de commodities e queda dos juros nos EUA seria capaz de gerar uma surpresa na arrecadação, como ocorreu em 2021 – 22, o que seria pura sorte”, frisa.
Além dessa “sorte”, outro jeito de fazer essa conta fechar seria com um maior crescimento do PIB. “Por mais que tenhamos uma surpresa positiva vindo do PIB nessa primeira metade do ano e que a gente tenha uma projeção um pouco melhor para 2023 e 2024, esse crescimento não é forte o suficiente para trazer essa arrecadação extra”, detalha Costa.