Por Márcio Aith e Bruno Andrade
“O BC não está acima de críticas e o debate sobre a meta de inflação é válido”, disse o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em entrevista exclusiva ao Faria Lima Journal (FLJ) nesta quinta-feira (11).
O comentário de Campos Neto mostra uma mudança de posicionamento do último discurso do próprio Campos Neto, feito em audiência no Senado no último dia 27 de abril. Na ocasião, o presidente do BC defendeu a meta de inflação com unhas e dentes.
“Nós temos um sistema de metas, que funcionou muito bem. É um sistema que funciona em todos os países”, disse Campos Neto em 27 de abril.
A suavização do tom vem após ataques públicos praticamente diários feitos pelo Presidente Lula para que Campos Neto reduza a Selic. E de pressões do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para que Campos Neto aceite uma mudança do regime de metas.
Apesar de mostrar-se flexível quanto à mudança no regime de metas, o presidente do BC afirmou, na entrevista ao Faria Lima Journal (FLJ), ver desafios em relação à possibilidade de redução dos juros antes do esperado. Segundo ele, “os núcleos da inflação permanecem elevados”.
Essa reportagem é a primeira parte da entrevista do Faria Lima Journal com Campos Neto. A próxima parte da entrevista exclusiva vai sair amanhã, sexta-feira (12).
Veja a primeira parte da entrevista na íntegra:
FLJ – Qual a sua avaliação sobre o cenário econômico global e as implicações para a economia brasileira, especialmente para o processo de desinflação?
Roberto Campos Neto– Em relação ao cenário global, permanecem várias incertezas e desafios após os sucessivos choques recentes. Quanto à inflação, verificou-se uma redução nos índices cheios, devido a uma moderação nos preços das commodities e em certos bens industriais, com um alívio nos gargalos nas cadeias de suprimento observados desde a pandemia. No entanto, os núcleos da inflação permanecem elevados, devido à difusão da inflação pelos setores e às fortes pressões subjacentes em segmentos com preços mais rígidos, como os de serviços.
Nota-se que a desinflação no índice cheio ocorre de maneira não linear: embora a redução de cerca de 10% para 5% tenha sido mais rápida, a redução de 5% para 2%, que em geral é o valor das metas nos países avançados, pode levar mais tempo e ter custo mais elevado. Essa não linearidade representa um desafio para os bancos centrais, que veem um debate crescente sobre os custos, em termos de atividade econômica, de trazer a inflação para as suas metas.
Com as condições financeiras globais mais restritivas, o crédito está desacelerando em ritmo mais forte. As previsões de atividade econômica em nível global também mostram uma desaceleração, e esse menor crescimento pode impactar a inflação e a atividade no Brasil.
O Banco Central do Brasil (BC) foi um dos primeiros a iniciar o ciclo de alta de juros, em março de 2021. Essa resposta tempestiva nos ajudou a iniciar o atual processo de redução da inflação. O IPCA em 12 meses recuou de 12,1% em abril de 2022 para 4,7% em março de 2023. As atuais projeções de mercado para a inflação estão em 6% para 2023, 4,2% para 2024 e 4% para 2025.
Embora tenhamos alcançado progressos, ainda temos desafios pela frente para consolidar a desinflação no Brasil. A ancoragem das expectativas para prazos mais longos é um dos nossos principais desafios.
Campos Neto diz que crise bancária nos EUA é limitada ao país
FLJ – O setor bancário mundial corre algum risco de crise sistêmica?
Roberto Campos Neto– Recentemente, episódios de falência e desconfiança em instituições bancárias nos EUA e na Europa ganharam destaque por elevarem o grau de incerteza do ambiente econômico-financeiro e levantaram algumas preocupações. Esses episódios despertaram atenção para diversos riscos, como um contágio mais disseminado para o sistema financeiro como um todo. Até o momento, são ocorrências com contágio limitado sobre as condições financeiras, mas que requerem monitoramento.
As autoridades nacionais e internacionais têm agido de forma rápida e coordenada, introduzindo uma série de medidas com o intuito de restabelecer a confiança dos agentes em relação à solidez das instituições financeiras como um todo. O Fed reconheceu vulnerabilidades na gestão de riscos das instituições financeiras envolvidas e identificou a necessidade de aprimoramentos na sua supervisão bancária.
Esses episódios mostraram que, em momentos de maior estresse, os resgates dos depósitos são potencializados pelo baixo custo com que as pessoas, com o uso de tecnologia, podem transferir recursos entre instituições, pela maior disseminação das informações por meio das mídias sociais, e pela concentração na estrutura dos depositantes. É fundamental que os arcabouços regulatórios e de supervisão levem em conta esses novos riscos.
Também destaco que, apesar de a incerteza persistir, as autoridades reguladoras e supervisoras detém hoje um conjunto de ferramentas mais amplo e efetivo, bem como canais mais céleres de coordenação, em relação ao que dispunham no passado.
Por fim, é importante mencionar que os riscos que vemos no sistema financeiro internacional não têm paralelos no sistema financeiro nacional e que não há risco de contágio para as instituições financeiras domésticas. As instituições brasileiras apresentam níveis adequados de liquidez e de capital e baixo descasamento de maturidades, e estão em conformidade com as recomendações do Comitê de Basiléia. Além disso, o gerenciamento de risco de taxa de juros é uma prática comum nas instituições brasileiras, que estão adaptadas a frequentes flutuações da taxa de juros.
FLJ – O BC tem implementado uma agenda de reformas para o sistema financeiro. O senhor poderia falar sobre os objetivos dessa agenda e os principais projetos em andamento?
Roberto Campos Neto– Estamos vivendo um período de inovação tecnológica sem precedentes no sistema financeiro. É nesse contexto de inovação que o BC tem buscado promover sua agenda de inovações – a Agenda BC#, cujos objetivos são: maior inclusão financeira, menor custo de intermediação, mais competição, com redução de barreiras à entrada, eficiência no controle de riscos, monetização de dados e tokenização completa de ativos financeiros e contratos. Na dimensão de sustentabilidade dessa agenda, temos o objetivo de promover finanças sustentáveis e contribuir para a redução de riscos socioambientais e climáticos na economia e no Sistema Financeiro Nacional.
FLJ – Quais são os frutos desse período?
Roberto Campos Neto– Ao longo dos últimos anos, o BC vem implementando diversas iniciativas dessa agenda, tais como o Pix e o Open Finance, e diversas medidas que promovem a sustentabilidade. Além disso, temos também outros projetos em andamento, como a modernização da legislação cambial e o Real Digital. Nos meses e anos que virão, teremos muito mais, com a integração de projetos que começaram inicialmente separados, mas que agora serão cada vez mais integrados. Como resultado desse processo, as pessoas usarão cada vez mais agregadores financeiros, isto é, as pessoas poderão escolher um único aplicativo que integrará informações e serviços de instituições financeiras distintas. O resultado é que a competição se dará cada vez mais por canal e não mais apenas pelo produto.
Nesse contexto de reformas, a evolução tecnológica tem sido uma das maiores aliadas do BC para tornar o Sistema Financeiro Nacional mais eficiente e para promover a democratização dos serviços financeiros.
Campos Neto está aberto ao debate
FLJ – Na arena de debates, o BC tem sofrido críticas de figuras públicas, como o presidente Lula. Apenas como exemplo, um tema nesse debate tem sido o valor da meta de inflação. O senhor não acha que algumas dessas críticas são válidas e poderiam ser respondidas, em benefício do esclarecimento público?
Roberto Campos Neto– O BC não está acima de críticas e o debate sobre a meta de inflação é válido. Da parte do BC, o nosso compromisso é com a transparência. Tenho ido ao Congresso Nacional sempre que convidado para explicar a forma de atuação técnica do BC. Recentemente, no dia 25 de abril, estive na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado respondendo aos questionamentos de senadores e senadoras por mais de cinco horas. Debatemos todas as questões e dúvidas levantadas. Na mesma semana, estive em outra audiência também no Senado, junto com o Ministro Fernando Haddad, com a Ministra Simone Tebet, e vários especialistas e representantes de entidades respondendo aos questionamentos dos membros daquela Casa. Da minha parte, estou e sempre estarei aberto para responder e prestar todos os esclarecimentos demandados pela sociedade e seus representantes.
FLJ – A título da transparência, por que o nosso BC não segue o FED americano e realiza uma coletiva de imprensa após a divulgação da decisão do Copom?
Roberto Campos Neto– O BC, em linha com as melhores práticas na condução da política monetária, vem aumentando o nível de transparência de sua atuação. Posso dar alguns exemplos disso. As atas passaram a trazer mais análises prospectivas e mais detalhes sobre as discussões realizadas. Os comunicados também passaram a explicar mais detidamente a tomada de decisão. Além disso, o nosso Relatório de Inflação foi reformulado para ser mais analítico, com foco na evolução do cenário central e na discussão do balanço de riscos.
Em relação à entrevista coletiva de imprensa, avaliamos que, se por um lado, há a vantagem de uma comunicação mais tempestiva, por outro, há também riscos e desvantagens. Por exemplo, numa coletiva há o risco de uma interpretação equivocada de uma frase que foi colocada de forma distinta do que se pretendia, ou mesmo de um tratamento superficial ou precoce de assuntos que serão abordados mais profundamente na ata do Copom. Além disso, uma coletiva pode refletir de forma individual o pensamento do presidente, enquanto no comunicado e na ata há um texto que representa o consenso do colegiado ou mesmo visões distintas dos diversos membros.
A experiência internacional mostra que, na grande maioria dos países emergentes e em alguns países avançados, não se realiza coletiva de imprensa após as decisões. Por exemplo, no Reino Unido só há entrevista coletiva de imprensa após as decisões que coincidem com a divulgação do Relatório de Política Monetária, que acontece quatro vezes ao ano.
No BC, nós também seguimos essa prática e realizamos uma entrevista coletiva de imprensa quatro vezes ao ano, após a divulgação do nosso Relatório de Inflação, que é publicado sempre uma semana após o Copom. Com isso, nossas coletivas expõem um conjunto mais amplo e detalhado de informações, que auxiliam a fundamentar e explicar melhor as decisões tomadas e o cenário prospectivo na visão do Comitê.