Por: Gabriel Ponte
A reabertura da China e seu impacto sobre o preço do minério de ferro explica, em grande medida, o interesse do investidor estrangeiro pela bolsa brasileira em janeiro. Essa é a avaliação do gestor de renda variável da Western Asset, Guto Leite.”O estrangeiro comprou, sim, Brasil, mas menos pelo país em si, e mais como veículo de China”, afirmou , em entrevista à Mover.
Os papéis da Vale foram os mais comprados pelos estrangeiros na bolsa local em janeiro, de acordo com Leite. Dos R$ 12,55 bilhões de fluxo estrangeiro destinado à bolsa brasileira ao longo do mês passado, R$3,6 bilhões foram destinados à mineradora. No período, os papéis ordinários da Vale acumularam alta de 6,33%.
A melhora da economia chinesa, na sequência de dados econômicos positivos em janeiro, é um alento para a economia mundial, que tem desacelerado e dependerá, de certa forma, da recuperação do país asiático em 2023 para compensar a queda projetada. O Fundo Monetário Internacional projetou nesta semana que a economia asiática cresça 5,2% em 2023, enquanto a atividade global deve avançar 2,9%.
O Brasil, visto como uma “proxy” ou aproximação do país asiático, beneficiou-se dessa alocação de fluxo, segundo Leite. Pesou, também, os múltiplos atrativos que a bolsa local apresenta, aos olhos dos estrangeiros. Leite calcula um múltiplo preço/lucro (P/L) do Ibovespa de 7,5 vezes, considerado em sua visão “barato” para o índice.
Também de acordo com ele, o recuo dos rendimentos dos Treasuries ao longo do mês, sob percepção de investidores do fim do ciclo de alta dos juros pelo Federal Reserve, contribuiu para enfraquecer o dólar ante outras divisas, favorecendo as economias emergentes. “O investidor estrangeiro se vê premido a investir em mercados emergentes. O Brasil está nesse rol”, complementou.
Leite observa uma leitura generalizada, entre investidores, de que o Fed lançará mão de corte dos juros já neste ano. Ele alerta, porém, que a não concretização desse cenário constitui o “maior risco” aos emergentes.
“E se os dados dos EUA mostrarem uma desaceleração da inflação, mas não na direção da meta perseguida pelo Fed? Aí talvez tenhamos, eventualmente, mais um ou dois aumentos, e o juro fique em patamar restritivo por mais tempo. Aí você pode ter os títulos do Tesouro empinando, e dar uma segurada no fluxo para emergentes.”
A visão mais construtiva do estrangeiro em relação ao país apresenta, no entanto, um forte contraponto aos locais. Em janeiro, o investidor institucional sacou R$9,97 bilhões no segmento secundário, em meio a ruídos produzidos pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de incertezas sobre a extensão da manutenção da taxa Selic em 13,75%, diante de discussões sobre alteração da meta de inflação, definida pelo Conselho Monetário Nacional.
Segundo o gestor, incertezas em torno do novo arcabouço fiscal a ser adotado pelo governo, bem como questionamentos sobre a meta de inflação perseguida pelo Banco Central, afastou leitura de potencial corte da taxa Selic já em 2023, desacelerando migração de recursos para a renda variável. “Essa percepção de que estava ali na frente uma potencial volta do investidor para a bolsa virou. Dados de resgate de fundos de ação voltaram a aumentar.”
No acumulado do mês de janeiro até o dia 30, fundos de ações registraram captação líquida negativa de R$8,6 bilhões, penalizados pelos resgates nesse produto, segundo dados da Anbima. Em meio ao maior volume de resgates, Leite se viu obrigado a reduzir o nível de risco da carteira dos fundos de ação geridos pela Western.
“Temos um pé em commodities, principalmente ligadas à energia, por fatores relacionados à restrição de oferta. Temos outro pilar nas domésticas defensivas, empresas que achamos que têm resiliência em cenário de desaceleração, e, também, algumas atacantes, empresas de negócios mais cíclicos, mas bem tocadas.”