Brasília, 17/6/2024 – O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) deverá manter o juro inalterado na decisão desta semana, interrompendo pela primeira vez o ciclo de alívio iniciado em agosto de 2023, diante de um cenário desafiador para convergência da inflação de 2025 à meta, dado um câmbio mais depreciado, mercado de trabalho rodando acima do esperado e uma piora das expectativas inflacionárias.
O Copom inicia sua reunião de dois dias nesta terça-feira, e divulgará a decisão na quarta-feira, por volta das 18h30. Sem “guidance” para esta reunião, economistas e analistas se debruçarão sobre a linguagem do comunicado, em busca de sinais que podem indicarseo colegiado manterá a taxa básica de juro no atual patamar de 10,50% por tempo suficientemente prolongado, com a política monetária dependente da evolução do cenário econômico.
O mercado também quer saber se a decisão será unânime, após o “racha” presente na última reunião, o que poderia fornecer pistas sobre o comportamento do BC caso o atual diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, seja nomeado como novo chefe da autarquia pelo presidente Lula ao fim do mandato de Roberto Campos Neto, como tem sido especulado.
A XP aposta em uma comunicação “dura” por parte do BC, com piora no balanço dos riscos advindo de um cenário desafiador para a inflação prospectiva. “Seria razoável tentar chegar a um consenso desta vez para sinalizar convicção”, completaram os economistas da instituição. Em linha, o Itaú pontua que uma “ausência de surpresas” na decisão desta semana pode ser um catalisador para redução do elevado prêmio de risco embutido nas taxas futuras.
CENÁRIO MAIS DURO
Com o fluxo de notícias desde maio, tornou-se mais desafiador para o Copom alcançar a meta de inflação perseguida para 2025 (horizonte relevante). Indicadores econômicos acima das expectativas, como o Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre, mostram uma atividade sólida. Já o mercado de trabalho reportou taxa de desemprego nas mínimas em quase uma década, além de evolução do salário real. O IPCA de maio surpreendeu para cima, com surpresa altista no núcleo de serviços, embora a inflação corrente siga comportada.
Entre 9 de maio a 14 de junho, os contratos futuros do dólar avançaram 4,64%, em um período de maior aversão ao risco em mercados emergentes, com desenvolvimentos negativos na América Latina, como a eleição no México, que levaram a correções significativas no câmbio e juros locais. Do lado fiscal, houve piora na percepção das contas públicas, com dúvidas sobre a sustentabilidade do arcabouço fiscal brasileiro.
As expectativas inflacionárias, como consequência, avançaram durante esse período, refletindo os fatores mencionados. Economistas elevaram a mediana de projeção para o IPCA ao fim de 2024 e 2025, a 3,96% e 3,80%, respectivamente, possivelmente repercutindo os potenciais impactos dos eventos no Rio Grande do Sul para os preços neste ano.
Na semana anterior, a equipe macroeconômica do Itaú pontuou não ver mais espaço para cortes adicionais da Selic, projetando a taxa de juro em 10,50% até o fim de 2025. Em linha com a instituição, a mediana de projeções do boletim Focus para a Selic ao fim de 2024 avançou nesta semana a 10,50%, ante 10,25% estimados anteriormente.
“O risco fiscal segue elevado, diante da dificuldade em se obter uma trajetória persistente de convergência de resultados primários, do forte crescimento de despesas obrigatórias e dos limites para a expansão das receitas, o que implica a possibilidade de mudanças nos principais parâmetros do arcabouço aprovado no ano passado”, escreveram economistas do Itaú em nota.
OUTROS FATORES
A depreciação do real ante o dólar desde a última reunião e expectativas desancoradas devem levar o colegiado a revisar os modelos de projeção para a inflação em 2024 e 2025 a 4,0% e 3,5%, respectivamente, ante 3,8% e 3,3%, segundo a XP. O BC persegue uma meta de inflação de 3,0% para ambos osanos, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual.
Operadores também acompanharam, ao longo das últimas semanas, desenvolvimento de condições monetárias mais apertadas, com aumento em toda a extensão da curva de juros, sobretudo nos vencimentos longos. A curva passou a embutir um cenário mais desafiador para o ritmo de avanço dos preços à frente, com a inflação implícita para o acumulado de 2024 em 4,35% na semana encerrada em 14 de junho.
No entanto, em relatório na semana anterior, economistas do JPMorgan seguiam recomendando posição “aplicada” em vértices da curva com vencimento em janeiro de 2026, por entenderem haver “precificação excessiva” de aperto monetário. Na mesma linha, hoje, economistas do Morgan Stanley disseram entender que os vértices da curva podem voltar a recuar de forma geral.
“Em um cenário no qual o BC seja ‘hawkish’ na decisão de junho, mas não ‘hawkish’ o suficiente para validar o substancial prêmio de risco embutido na curva ao longo das últimas semanas, acreditamos que os juros futuros possam voltar a cair”, disse a estrategista do Morgan, Ioana Zamfir, em relatório.
BOFA NA CONTRAMÃO
Do lado contrário, o Bank of America aposta em corte adicional de 25 pbs da Selic na quarta, a 10,25%, em decisão unânime,contra o consenso do mercado, que aposta em manutenção dos juros. “Comportamento benigno” da inflação corrente e condições financeiras apertadas devem justificar manutenção do ritmo de alívio pelos membros do colegiado, apontaram os economistas do BofA.
Com eventual Selic nominal em 10,25%, o BofA calcula o juro real em 7,3%, muito acima da taxa neutra estimada pelo BC, de 4,5%, reforçando discurso de política monetária “contracionista”.O BofA calcula Selic em 10,25% até o fim do ano, com retomada de cortes a partir do início de 2025, diante de nova composição do colegiado e cortes nos Estados Unidos. O banco americano também vê uma decisão unânime por parte do colegiado como fator que o auxiliaria a retomar credibilidade.
A decisão desta semana ocorre em um cenário de alívio no exterior, com desaceleração gradual da atividade econômica nos EUA (CPI e PPI abaixo do consenso em maio) e alívio de juro iniciado pelo Banco Central Europeu no início destemês – no primeiro movimento desde 2019, diante de um extenso processo de desinflação observado no pós-pandemia.
(GP | Edição: Luciano Costa | | Comentários: equipemover@tc.com.br)