Preços de energia derretem e desafiam Eletrobras com risco de perdas em "descotização", dizem analistas

A companhia, que foi privatizada no ano passado, precisa vender um grande volume de sua produção

Agência Brasil
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Por Luciano Costa

Os preços de energia no Brasil estão em queda livre neste início de 2023 devido às chuvas abundantes, desenhando um cenário complexo para a Eletrobras, que precisa vender um grande volume de sua produção no mercado a partir deste ano, segundo especialistas do setor e analistas de bancos. A maior elétrica da América Latina foi privatizada em junho passado, em operação que envolveu mudanças nos contratos de suas hidrelétricas antigas. Ela agora poderá gradualmente negociar a preços livres sua energia, hoje comercializada por valores regulados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em regime conhecido como “cotização”.

O problema é que a companhia precisará colocar essa energia no mercado no momento em que os preços estão desfavoráveis e com pouca perspectiva de melhora no curto prazo, disse ao Scoop o presidente da comercializadora de energia da Genial, Genial Energy, Sergio Romani.

“A cada dia que passa, o mercado cai mais. Acredito que teremos com certeza um 2023 de preços baixos, e 2024 também. Há muito tempo não vejo energia sendo negociada aos preços atuais. É um cenário desafiador, e que vai ter um impacto, provavelmente no curto prazo a empresa vai estar sofrendo”, afirmou. Procurada, a Eletrobras não comentou.

No regime de “cotas”, a Eletrobras recebe cerca de R$88 por megawatt-hora pela produção de suas hidrelétricas, enquanto o preço de mercado para a energia hídrica no primeiro semestre de 2023 despencou para R$70 por MWh, disse ao Scoop o gerente de Monitoramento Estratégico da Esfera Energia, Daniel Ito.

A Eletrobras deve ´descotizar´ cerca de 2,2 gigawatts médios em energia neste ano, que se vendidos pelo preço de mercado renderiam cerca de R$173 milhões a menos do que a empresa recebia no regime de cotas, calculou Ito.

Uma opção para a Eletrobras é buscar preços melhores em contratos de longo prazo, mas estes também estão pressionados pelo atual excesso de chuvas.

Ao final de 2021, o preço médio de contratos para 2023-2026 era de cerca de R$200/MWh, mas hoje o mesmo produto é negociado por aproximadamente R$98/MWh. Contratos de quatro anos estão a R$115/MWh, contra R$260 em setembro de 2021, apontou Ito.

Se não fechar contratos de curto ou longo prazo para a venda da energia ´descotizada´, a Eletrobras pode negociá-la no mercado à vista da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, onde os preços estão ainda menores, hoje próximos de R$69/MWh e com pouca perspectiva de alta.

Para 2024, os preços de mercado também estão caindo, e agora já estão próximos de R$80 por MWh, abaixo dos valores das ´cotas’, disse ao Scoop o chefe de uma grande comercializadora de energia, que pediu anonimato para comentar o tema. “É difícil a situação”, afirmou.

No terceiro trimestre, a Eletrobras informou ter 30% de sua produção para 2023 descontratada, devido à descotização, com 53% de energia livre em 2024, 70% em 205 e 80% em 2026.

E, com a companhia colocando esses volumes de energia no mercado, os preços podem cair ainda mais, segundo as fontes que falaram ao Scoop. Por enquanto, as cotações de mercado só são superiores ao que a Eletrobras hoje recebe no regime de cotização a partir de 2025.

OUTROS FATORES

Para a equipe de analistas do BTG Pactual, a Eletrobras é a mais exposta ao cenário atual, “que aponta excesso de oferta de energia pelo menos até o fim da década”, mas acrescentou que “os preços da energia não são a única variável relevante para a tese de investimento da empresa”.

“Na verdade, nossa visão otimista sobre a tese decorre de algumas variáveis, sendo as mais cruciais as iniciativas de corte de custos e negociações de empréstimos compulsórios”, escreveu o time liderado por João Pimentel, em relatório de 27 de janeiro.

Os analistas do BTG projetam que, depois da privatização, a Eletrobras pode cortar custos em 60%, reduzindo ainda em 30% gastos com disputas sobre o chamado empréstimo compulsório, o que permitiria a ela justificar a atual cotação de suas ações mesmo com vendas de energia a R$84 por MWh. Sem os cortes, o valor necessário seria de R$139.

“Apesar do cenário bastante desafiador para os preços de energia no Brasil, esse exercício mostra que a Eletrobras continua barata mesmo nos cenários mais estressados”, afirmaram.