Mineradoras pressionam para atrasar tramitação do novo código do setor, diz relator do projeto

Relator do projeto diz que empresas como Vale, Usiminas têm mirado Legislativo

Divulgação/Vale
Divulgação/Vale

Por: Simone Kafruni e Machado da Costa

Grandes mineradoras que atuam no Brasil, como a Vale e a Usiminas, estão pressionando o Legislativo para atrasar a tramitação do novo código do setor, em discussão desde a criação de um Grupo de Trabalho em março do ano passado, cujo parecer está pronto, segundo relatos de duas fontes consultadas pelo Scoop que foram confirmados pelo relator do projeto na Câmara dos Deputados, o deputado Joaquim Passarinho (PL).

A intensão de Passarinho é levar o projeto diretamente à votação no plenário da Câmara. Segundo ele, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP), entrou em contato há 15 dias para saber se o texto estava pronto para ser votado. “Eu disse que está pronto e que poderia pautar em plenário. Mas isso é prerrogativa do presidente, se ele quiser pode formar comissão especial”, destacou.

O problema é que o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que representa as empresas, pede cautela sobre a forma de tramitação do novo código. “O regimento da Câmara prevê que uma matéria que tenha que tramitar por quatro comissões deveria ensejar a criação de uma comissão especial, como forma de se garantir uma ampla discussão”, defendeu, em nota enviada ao Scoop.

As mineradoras defendem a comissão especial com o argumento de que não criá-la “poderia ferir o necessário debate em relação à transparência, expor um dos principais setores da economia a instabilidades em sua competitividade, bem como inibir a atração de investimentos”.

Na prática, o que o Ibram deseja é que o texto nunca seja votado da forma como foi apresentado por Passarinho. Para as grandes mineradoras, o arquivamento da matéria retiraria uma sombra que pode impactar ativos intangíveis, enquanto sua aprovação, nos moldes do texto do relator, provocaria uma forte revisão das operações e das finanças das mineradoras que atuam no país.

“Claro que terá chumbo-grosso contra o relatório, mas eu ouvi o Ibram, a Confederação Nacional da Indústria e a associação dos municípios. A desculpa é sempre a mesma: insegurança jurídica porque as empresas têm ações na bolsa”, disse Passarinho ao Scoop.

DISCÓRDIAS

Não é de interesse das grandes mineradoras, por exemplo, as emendas incluídas pelo GT e que forçariam – caso sejam aprovadas – as companhias a acelerarem suas operações em áreas que estão sob seus domínios há décadas, mas que nunca foram exploradas. Com a aprovação do texto, em no máximo seis anos de não exploração, a empresa perderia o direito sobre a área.

“Hoje a mineradora recebe autorização e fica naquilo por três anos renováveis ‘ad eternum’. Queremos limitar a renovação. Se em seis anos a empresa não fizer o que está se propondo, o ativo volta para a União e é feita nova oferta pública”, ressaltou Passarinho.

Essa medida, inclusive, seria retroativa. “Mesmo quem tem projeto de pesquisa há 20 anos vai ter que começar a contar prazo. Hoje, as empresas vão às secretarias estaduais de meio ambiente com menos documentos do que os necessários e alegam não ter conseguido a licença ambiental para segurar a contagem do prazo”, revelou o deputado.

No geral, as principais mudanças propostas pelo GT para o novo Código de Mineração não interessam às grandes mineradoras, sobretudo a Vale, porque permitem autorização para o garimpo em áreas já concedidas e ainda estipulam prazo de seis anos para que as atividades de exploração sejam iniciadas, mesmo àquelas companhias que já detêm concessões.

Segundo Passarinho, o relatório sugere que a Agência Nacional de Mineração (ANM) deverá analisar se a exploração por uma segunda empresa terá impacto na companhia que já tem a concessão. “A ANM é a gerenciadora do solo da União, e não as empresas privadas. É essa a grande alteração que a Vale não quer”, explicou. “Ninguém está dizendo que a Vale não poderá continuar explorando, apenas que, se for detectado outro tipo de mineral na mesma área, a exploração poderá ser cedida para outra empresa.”

Para o Ibram, esse ponto tem “a discordância do setor mineral”. “Não é possível apoiar a proposta da permissão de lavra garimpeira flutuante, que, se aprovada, permitiria que um título concedido a um garimpeiro se sobrepusesse a outro já concedido para uma mineradora para atividades minerárias em uma mesma área”, afirmou na nota.

DESEJOS

Como o atual Código da Mineração data de 1967, modernizações e previsão de novos instrumentos são de interesse da indústria.

Uma mudança fundamental apresentada pelo relatório é permitir que a concessão de lavra possa ser usada como garantia de financiamento após a pesquisa revelar o potencial da jazida. “Isso beneficia as pequenas empresas, que precisam de recursos para explorar”, explicou Passarinho.

O Ibram concorda com este ponto e diz que “utilizar o título de direito minerário como lastro de empréstimos pode representar avanços ao criar mecanismos eficazes de financiamento para o setor mineral”.

Há também desejos específicos de cada companhia. Uma fonte que falou ao Scoop sob a condição de anonimato disse que a Vale está pleiteando outras mudanças no texto para resolver problemas internos. Um deles é o caso revelado há uma semana pelo Scoop, envolvendo a perda de outorgas para o uso da barragem e da planta da mina de Sossego, no Pará.

A Vale deseja que uma outorga de pesquisa não possa ser concedida se já houver estrutura física naquele local. Passarinho disse não ter conhecimento sobre essa manobra, mas reconheceu que “a pressão é enorme” contra o relatório.

Procurada, a Vale não quis comentar e pediu para o Scoop procurar o Ibram. O Ibram não comentou o pleito da mineradora.