Hidrogênio verde atrai empresas no Brasil e pode virar produto de exportação, diz associação

Com governo Lula defendendo pauta de transformação ecológica, investidores já possuem projetos para produção do chamado hidrogênio verde no Brasil

Presidente da ABHCI
Presidente da ABHCI

Por: Luciano Costa

 

07/02/2024 – Com o governo do presidente Lula defendendo uma “pauta de transformação ecológica”, mais de uma dezena de investidores locais e internacionais já possuem projetos para produção do chamado hidrogênio verde no Brasil, muitos de olho em exportações, disse ao Faria Lima Journal o presidente da Associação Brasileira de Hidrogênio e Combustíveis Sustentáveis (ABHIC), Sérgio Augusto Costa.

 

Para que as iniciativas de hidrogênio fabricado com energia limpa avancem de fato para projetos em escala comercial, no entanto, é preciso enfrentar alguns gargalos, como a falta de um marco regulatório para o setor, segundo Costa, que comanda um grupo que tem como associados empresas incluindo Cemig e Copel.

 

Nos últimos dias, os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, disseram que os projetos da “pauta verde” do governo federal deverão estar entre as prioridades da Casa neste ano, o que inclui um projeto de lei para regulamentar o hidrogênio verde.

 

Para entender as perspectivas para o setor, confira a seguir os destaques de entrevista com o presidente da ABHIC.

 

P: Muito se fala sobre o potencial do hidrogênio verde, e o Brasil é colocado como um dos países mais promissores para a tecnologia. AABHIC tem sentido um grande interesse de investidores no tema?

 

R: O Brasil possui um potencial gigantesco quando se trata de hidrogênio verde. O País pode vir a se tornar um dos maiores exportadores de hidrogênio do mundo, em especial para a Alemanha, que já informou que importará até 70% do Hidrogênio para atender sua demanda interna, de 10 GW até 2026. Esta é uma oportunidade incrível de transformar o Brasil em um dos maiores parceiros de exportação de derivados de Hidrogênio para a Alemanha.

 

Conforme o Hydrogen Council, o momento é de expansão: mais de 1.000 propostas de projetos de grande porte foram anunciadas em todo o mundo em 2023. Destes, 795 projetos pretendem ser total ou parcialmente comissionados até 2030 e representam US$ 320 bilhões de investimentos em cadeias de valor de hidrogênio até 2030.

 

A Europa continua a ser a líder mundial em propostas de projetos de hidrogênio, com os maiores investimentos (US$ 117 bilhões, 35% dos investimentos) e maior crescimento absoluto (US$ 40 bilhões). América Latina e América do Norte seguem a Europa, cada uma representando cerca de 15% dos investimentos anunciados.

 

Propostas de projetos em escala giga (mais de 1 GW de eletrólise para fornecimento de hidrogênio renovável ou mais de 200.000 kt p.a.de hidrogênio de baixo carbono) respondem por 112 propostas de projetos(exigindo investimentos de aproximadamente USD 150 bilhões até 2030). É quase o dobro em comparação com oito meses atrás, quando eram 61 projetos.  Destas 112 propostas, 91 são renováveis ​​e21 são Hidrogênio de Baixo Carbono (*).

 

P: A associação tem um mapeamento sobre quantos projetos deH2V estão em desenvolvimento no Brasil hoje, qual o potencial de produção? Podem citar alguns exemplos?

 

R: Atualmente, há uma quantidade considerável de projetos e mandamento em escala comercial, além de projetos-pilotos. Seguem abaixo dez dos principais:

 

1 – Unigel (Bahia), produção de fertilizantes: Investimento:US$1,5 bilhão. Produção de hidrogênio: 100 mil toneladas/ano. Produção de amônia: 600 mil toneladas/ano. Capacidade de eletrólise (primeira fase do projeto): 60 MW. Início previsto: 2023, operação plena 2027.

 

2 – Qair (Pernambuco), hidrogênio verde e azul:Investimento: US$3,9 milhões. Produção de hidrogênio verde: 488 mil toneladas/ano. Produção de hidrogênio azul: 198 mil toneladas/ano. Capacidade de eletrólise: 2,2 GW. Início previsto: 2025, operação plena 2032.

 

3 – Qair (Ceará), hidrogênio verde: Investimento: US$6,9bilhões. Produção de hidrogênio verde: 488 mil toneladas/ano. Capacidade de eletrólise: 2,2 GW. Capacidade de energia eólica offshore: 1,2 GW.

 

4 – Casa dos Ventos e Comerc (Ceará), hidrogênio e amônia verde: Investimento: US$4 bilhões. Produção de hidrogênio verde: 365 mil toneladas/ano. Produção de amônia verde: 2,2 milhões de toneladas/ano. Capacidade de eletrólise: 2,4 GW.  Início previsto: 2026, operação plena 2030.

 

5 – Fortescue (Ceará), hidrogênio verde: Investimento: US$6bilhões. Produção de hidrogênio verde: 15 milhões de toneladas/ano (meta global). Início previsto: 2025, operação plena 2027.

 

6 – AES (Ceará), hidrogênio e amônia verde: Investimento:US$2 bilhões. Produção de amônia verde: 800 mil toneladas/ano. Capacidade de eletrólise: 2 GW.

 

7 – White Martins (Pernambuco), hidrogênio verde:Investimento: não divulgado. Produção de hidrogênio verde: 156 toneladas/ano.Início da operação: 2022.

 

8 – Eletrobras Furnas (Goiás/Minas Gerais) – Projeto-Piloto de hidrogênio verde: Investimento: R$45 milhões. Produção de hidrogênio verde até agora: aproximadamente 1,5 tonelada. Capacidade de geração de energia: 1MW. Início da operação: 2021.

 

9 – EDP (Ceará) – Projeto-Piloto de hidrogênio verde:Investimento: R$42 milhões. Produção de hidrogênio verde: 250 Nm3/h. Capacidade de eletrólise: 3MW. Início da operação: 2022, operação plena 2024.

 

10 – Shell/Raízen/Hytron/Toyota (São Paulo) – Projeto-Piloto de hidrogênio verde a partir do etanol: Investimento: R$50 milhões. Produção de hidrogênio verde: 390 toneladas/ano. Início previsto: 2023.

 

P: Como a ABHIC tem visto as propostas do governo para regulamentação dos investimentos em hidrogênio?

 

R: Atualmente a questão regulatória é um dos principais gargalos do setor. O Brasil ainda não possui um marco regulatório que propicie a segurança jurídica essencial para a realização de investimentos, ainda mais no caso do Hidrogênio que exige capital intensivo.

 

No processo de implantação de um projeto de Hidrogênio, a ABHIC identificou que é exigida a interface de diversos atores regulatórios, como ANEEL, ANA, ANTT, ANTAQ, IBAMA e ANP. Portanto, é fundamental que haja uma legislação específica que ordene esse processo, possibilitando assim a abertura, o desenvolvimento e o fomento deste mercado. A ABHIC mantém agenda regular em Brasília e acompanha de perto os Projetos de Lei em elaboração pelo Poder Executivo, bem como as propostas de PL no Congresso Nacional.

 

P: Como a ABHIC vê a competitividade do hidrogênio verde hoje? O Brasil seria capaz de produzir um H2V sem subsídios? Como está a comparação internacional de custo de produção?

 

R: A ABHIC entende que não existe ambiente atualmente para colocar subsídios, essa é a realidade, apesar de o subsídio inicialmente ser necessário para que esse setor possa ser viabilizado no Brasil.

 

Mas não deve ser subsídio ‘ad eternum’. É necessário ter uma métrica, assim que a tecnologia tiver uma diminuição de custos em níveis que rentabilizem adequadamente os investimentos, deve-se avaliar a retirada destes subsídios, mantendo assim um drive de tendência de queda dos custos e atratividade de investidores no setor. O problema é que no Brasil os subsídios viram direitos e depois até acabam servindo como assistência para outras atividades que não têm nenhuma relação com o planejamento original do incentivo econômico. Tem que ter início, meio e fim.

 

Diferentemente dos Estados Unidos, que possuem o incentivo da Inflation Reduction Act (IRA), o qual reduz os custos de energia renovável para organizações, por meio dos créditos fiscais, e auxiliam grandemente a transição energética, no Brasil o nosso Tesouro Nacional não tem condições de subsidiar mais nada.

 

Assim, temos que avaliar de fato como ter um Custo Nivelado de Energia (Levelized Cost of Energy) Renovável que seja competitivo, lembrando que na produção de hidrogênio verde o custo da eletricidade, produzido por fonte renovável para o processo de eletrólise, é responsável por 50 a 70% do custo total de produção. Como auxílio para viabilizar o setor, o que pode ser feito são benefícios tributários, com isenções e desonerações fiscais. Assim, após essa indústria iniciar e se desenvolver, tais benefícios tributários seriam reavaliados.

 

P: Para quando estão esperando os primeiros projetos de H2Vno Brasil? Avaliam que esses projetos serão para consumo doméstico do H2V ou para exportação?

 

R: Alguns de nossos associados já estão desenvolvendo projetos da ordem de GWs, de produção de amônia verde e metanol, incluindo projetos de captura de carbono. Porém, ainda estão na fase de estudos de viabilidade, por esse motivo precisamos manter sigilo. Alguns desses projetos serão para exportação exclusiva, e outros para atender o mercado local e para exportação, tendo assim um mix. O horizonte de entrada em operação dos primeiros projetos é a partir de 2028.

 

Quanto ao consumo, o Brasil pode vir a se tornar um dos maiores exportadores de hidrogênio do mundo, em especial para a Alemanha, que já informou que importará até 70% do Hidrogênio para atender sua demanda interna. Esta é uma oportunidade incrível de transformar o Brasil em um dos maiores parceiros de exportação de derivados de Hidrogênio para a Alemanha.

 

Imaginamos que, inicialmente, seja uma proporção de 70% para exportação e 30% para atendimento do mercado interno. E conforme nosso mercado evolua e amadureça, essa proporção se iguale ou mesmo se torne maior para o atendimento ao mercado interno.

 

P: Temos ouvido sobre iniciativas de alguns países europeus de realizar leilões de compra de H2V/amônia verde, bem como de subsídios nos EUA. Essas iniciativas de outros países para fomentar a tecnologia podem de alguma maneira viabilizar projetos no Brasil, para exportação, por exemplo? Tem empresas olhando isso?

 

R: Sim, o Leilão H2Global, lançado em dezembro de 2021 pelo governo da Alemanha, é um bom exemplo. Trata-se de um instrumento baseado na concorrência que promove a produção e a utilização de produtos derivados do hidrogênio verde por meio de uma abordagem de mercado.

 

A fonte de financiamento da primeira janela é o Ministério Federal Alemão para Assuntos Econômicos e Ação Climática (BMWK), que disponibiliza um financiamento de 900 milhões de euros. A ideia é desenvolver infraestruturas de Power-to-X, modelos de mercado e cadeias de abastecimento que ainda não existem para produtos “verdes”.

 

Para isso, esse mecanismo irá promover a compra do hidrogênio verde e seus derivados em diversos países do mundo, para depois vender o combustível na União Europeia para o comprador que oferecer o maior preço. O primeiro certame já aconteceu nesse modelo de “leilão duplo”. Para intermediar as negociações, a Alemanha criou uma figura intermediária, a ‘Hintco’, que compra o hidrogênio ao menor preço, em contratos de longo prazo, usando os recursos do fundo.

 

Então, por exemplo, se um projeto aqui no Brasil ganha o primeiro certame, com prazo de 10 anos, o ‘Hintco’ paga esse projeto e realiza outros leilões de menor prazo – de quatro, três ou dois anos. Desta forma, uma empresa alemã compra o hidrogênio verde vendido pelo Brasil por um valor maior. Essa diferença entre o preço de venda e o preço de compra é subsidiado pelo governo.

 

Essa iniciativa será um dos mecanismos que garantirão os contratos de compra dos derivados do hidrogênio renovável para a exportação. Salientando que, na prática, os derivados como amônia, e metanol, e combustível sustentável de aviação (SAF) é que de fato serão os produtos transacionados.

 

P: Quem deverá ser o financiador dos projetos de hidrogênio no Brasil? A ABHIC tem falado com o BNDES sobre isso? Que outros tipos de recursos poderiam apoiar o setor… acreditam que fundos de investimento ou bancos de fomento estrangeiros podem ser importantes viabilizadores também?

R: O BNDES, como o principal agente financiador de projetos renováveis e de infraestrutura, deve se tornar o principal player financiador de projetos de hidrogênio, haja vista que há uma sinergia entre esses setores e todo um histórico de sucesso e boas práticas aplicadas pelo BNDES para energias renováveis, como eólica e solar. Inclusive, sabemos que o BNDES já está realizando atividades de mapeamento e planejamento para o desenvolvimento de cadeias produtivas dos equipamentos das tecnologias de produção de hidrogênio.

 

Outros bancos de fomento que devem se interessar pelo hidrogênio são o Banco Mundial, por meio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e o banco de desenvolvimento alemão KfW.