Acordo encerra batalha judicial no Brasil e no exterior

Fim da guerra: J&F paga R$ 15 bi e retoma Eldorado após sete anos de disputa

Fim da guerra: J&F paga R$ 15 bi e retoma Eldorado após sete anos de disputa

São Paulo, 15/05/2025 – Encerra-se, com um pagamento à vista de R$ 15 bilhões, um dos litígios empresariais mais longos e turbulentos do país. A J&F, holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista, comprou nesta quinta-feira (15) a fatia de 49,41% da Eldorado Brasil Celulose que ainda estava nas mãos da indonésia Paper Excellence, assumindo 100% do controle da empresa.

O acerto põe fim a uma batalha iniciada em 2017 e que transbordou os limites do contrato: houve denúncias de espionagem, suspeitas sobre a imparcialidade de árbitros e contestações legais envolvendo a presença de capital estrangeiro em áreas rurais brasileiras. Ao longo do processo, decisões conflitantes foram tomadas por diferentes instâncias judiciais e tribunais arbitrais, dentro e fora do país.

O caso deixou expostas as fragilidades do sistema arbitral brasileiro, cujos procedimentos confidenciais, longe dos holofotes do Judiciário tradicional, acabaram alvo de suspeitas graves, como a quebra de sigilo profissional e a falta de independência entre árbitros e partes. A Eldorado volta agora a ter um único dono, mas a batalha travada nos bastidores continua a levantar questionamentos sobre como se resolvem disputas societárias de grande porte no Brasil.

Sete anos de impasse
O impasse teve início em setembro de 2017, quando a J&F assinou com a Paper Excellence um contrato para a venda da totalidade da Eldorado, então avaliada em R$ 15 bilhões. A compradora estrangeira desembolsou R$ 3,8 bilhões por 49,41% das ações e se comprometeu a adquirir os 50,59% restantes no prazo de um ano — condição que nunca se concretizou.

Segundo a Paper, a J&F teria dificultado o cumprimento das exigências previstas no contrato. A J&F, por sua vez, declarou que o acordo foi descumprido pela compradora e acionou a Justiça. A disputa se instalou simultaneamente em três frentes: tribunais arbitrais, Justiça comum e órgãos reguladores.

O caso ganhou contornos dramáticos em 2021, quando a J&F apresentou provas de que e-mails trocados com seus advogados haviam sido espionados — 70 mil mensagens monitoradas — durante o curso da arbitragem. A empresa também acusou o árbitro indicado pela Paper Excellence de omitir relações comerciais com o escritório que representava a parte adversária.

Apesar de uma sentença arbitral parcial favorável à Paper, o Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu os efeitos da decisão ao enxergar “nódoa” no processo. Em seguida, outros episódios vieram agravar a situação.

A questão fundiária
Com a Paper Excellence tentando assumir o controle da Eldorado, surgiu um novo obstáculo: a legalidade da operação frente à Lei de Terras brasileira. Em 2023, o Ministério Público Federal e o Incra apontaram que a compradora estrangeira não havia solicitado autorização prévia para a aquisição de empresa que detinha (e arrendava) grandes extensões de terras — exigência prevista em lei para empresas de capital internacional.

A Advocacia-Geral da União apoiou a tese, e uma nota técnica do Incra concluiu que o contrato era nulo de pleno direito. A Justiça Federal e o TRF-4 proibiram, em decisões reiteradas, qualquer tentativa de transferência acionária para a Paper.

O cerco jurídico levou a Paper Excellence a buscar uma manobra no campo internacional: pediu à Corte de Arbitragem para transferir o processo para uma “jurisdição neutra”, como Paris. O pedido foi negado. Ao todo, a empresa estrangeira sofreu seis derrotas judiciais consecutivas em diferentes cortes — do TRF-4 ao STF.

Acordo no Supremo
Foi no Supremo Tribunal Federal, em novembro de 2024, que a possibilidade de um desfecho começou a se desenhar. Durante audiência de conciliação, a J&F apresentou proposta formal de compra da participação da Paper, com aval de uma instituição bancária. O valor da operação foi calculado com base no mercado atual.

Em maio de 2025, a proposta foi enfim aceita. A Paper deixa o negócio com retorno expressivo: pagou US$ 1,2 bilhão pela sua fatia em 2017 e agora recebe US$ 2,64 bilhões — cerca de R$ 15 bilhões, à vista.

Novos planos
A Eldorado, que possui um complexo industrial em Três Lagoas (MS) e um terminal portuário em Santos (SP), produz 1,8 milhão de toneladas de celulose por ano. A J&F pretende elevar essa capacidade para 4,4 milhões, com investimentos estimados em R$ 25 bilhões e a construção de uma nova planta e uma ferrovia de 90 quilômetros para escoamento.

Já a Paper Excellence, em nota, afirmou que pretende seguir atuando no Brasil e busca novas oportunidades no setor de celulose.

Com o fim do conflito, a Eldorado encerra um capítulo de incertezas, mas o histórico da disputa deve seguir como estudo de caso sobre os limites — e os riscos — da arbitragem privada em disputas de alto impacto econômico e político no país.