FARIA LIMA JOURNAL
NO FIM DE SEMANA
>> O boletim Faria Lima Journal no Fim de Semana, do portal Faria Lima Journal e da agência de notícias Mover, traz uma seleção de conteúdos e leituras para investidores dispostos a gastar algum tempo no sábado e domingo para leituras mais aprofundadas de boas histórias e materiais informativos.
“Cemitérios de carros”, leilões, descontos e “quebras” iminentes; Reuters revela o lado oculto da ascensão da indústria automotiva da China
Por trás da história de sucesso e dos recordes de vendas por todo o mundo da nova indústria de carros chineses, paira uma iminente crise setorial causada por um enorme excesso de capacidade, relatou a Reuters em longa reportagem especial, destacando como o momento é similar a dificuldades geradas pelo superaquecimento de outros segmentos da economia chinesa, como o siderúrgico e o de energia solar.
Décadas de subsídios e políticas governamentais voltadas para consolidar a China como líder global em automóveis, e mais recentemente veículos elétricos, resultaram em uma capacidade produtiva que duplica os 27,5 milhões de carros fabricados no último ano. Essa sobrecapacidade desencadeou uma guerra de preços que torna quase impossível montadoras e concessionárias serem rentáveis– a consultoria AlixPartners prevê que apenas 15 das 129 marcas de EVs e híbridos na China serão viáveis até 2030.
Esse cenário leva a descontos expressivos, como Audis vendidos com 50% abaixo do preço de tabela e SUVs de sete lugares da FAW a US$ 22.300, mais de 60% abaixo do valor original.A Reuters destaca que políticas governamentais incentivam metas de produção em vez de lucratividade, com governos locais oferecendo terras baratas e subsídios para atrair montadoras, que, em troca, devem cumprir metas de produção e receita tributária. Isso levou a práticas como concessionárias registrando e segurando carros não vendidos para atingir metas de vendas e receber bônus, resultando em veículos com quilometragem zero sendo revendidos como “usados” por comerciantes do mercado cinza, como a Zcar, ou exportados.
Um detalhe curioso é o surgimento de “cemitérios de carros”, onde veículos novos e não vendidos são abandonados, criando paisagens peculiares, com lotes cheios de carros empoeirados. Em um caso notável, a reportagem conta que quase 2.000 veículos fabricados em 2018 pela Denza (controlada pela BYD), foram abandonados após uma disputa contratual com uma empresa de transporte. Avaliadoresforam judiciais constataram que os carros, estacionados até 2023, tinham interiores novos e quase não foram usados, alguns largados perto de uma mercearia onde moradores penduravam roupas. Esses veículos foram leiloados por até US$ 9.000, um quarto do preço original, e promovidos por influenciadores em redes sociais. Plataformas como Alibaba registraram mais de 5.100 anúncios de carros novos da BYD, segurados e registrados, em 2025, muitos sem lances. A reportagem sinaliza potenciais turbulências em um setor responsável por cerca de 10% do PIB chinês e com potenciais repercussões globais, apontando para histórias que tiveram início similar, nos setores imobiliário, de siderurgia e energia solar da China, por exemplo, que hoje são alvos de tentativas de ajuste de capacidade.
BYD perde US$45 bilhões em valor de mercado e levanta dúvidas sobre perspectivas na China, avalia Bloomberg
A BYD Co., maior fabricante de veículos elétricos (VEs) da China, que tem batido recorde de vendas no Brasil, enfrenta uma crise de confiança dos investidores na bolsa doméstica, após um tombo das ações que reduziu o valor de mercado em US$45 bilhões desde as máximas recordes tocadas em maio deste ano, de acordo com a Bloomberg. A estratégia agressiva de cortes de preços para ganhar fatia de mercado, em meio a uma guerra de preços destrutiva na China, tem gerado preocupações, com analistas aumentando as recomendações de “venda” para o papel ao maior nível desde 2022.
Além disso, o governo chinês intensificou esforços para conter a “involução” no setor, conceito para descrever um ciclo de competição excessiva e autodestrutiva na indústria automotiva local, cenário relatado pela Reuters no destaque anterior do FLJ no Fim de Semana. No segundo trimestre, a BYD registrou uma queda de 30% no lucro, a primeira em mais de três anos, impactada pela guerra de preços. A empresa revisou sua meta de entregas para 2025, de 5,5 milhões para 4,6 milhões de veículos, um desafio significativo dado o envelhecimento de sua linha de produtos e o novo ambiente regulatório.
A renovação do portfólio, com lançamentos adiados para o primeiro trimestre de 2026, é vista como crucial para recuperar o ímpeto. Modelos mais competitivos, com sistemas autônomos avançados, como o God’s Eye, e melhorias em baterias e autonomia de híbridos plug-in, são esperados para reposicionar a BYD no mercado. Apesar das dificuldades domésticas, a BYD tem avançado no mercado internacional, com previsão de alcançar entre 900 mil e 1 milhão de unidades vendidas no exterior em 2025, superando a meta inicial, de 800 mil. A expansão global, apoiada por lançamentos e produção local, contrasta com os desafios internos, onde a competição acirrada de rivais como Geely e Leapmotor tem atraído consumidores para “novos rostos”.
Em termos de valuation, a BYD é negociada, atualmente, a 17 vezes os lucros futuros estimados, encontrando-se abaixo da média de três anos, de 20 vezes, o que pode sugerir oportunidades de alocação para investidores. No entanto, de acordo com a Bloomberg, a BYD precisa se reposicionar como líder tecnológica, e não apenas como uma fabricante eficiente de veículos elétricos, como forma de recuperar a confiança dos investidores.
Em meio à “IA-mania”, The Economist questiona: “e se der errado”?
O mercado de inteligência artificial (IA) está vivendo um dos maiores booms de investimento da história moderna, com grandes empresas de tecnologia dos Estados Unidos destinando cerca de US$400 bilhões este ano à infraestrutura necessária para modelos de IA, mas a escala desses investimentos levanta questões sobre os riscos financeiros e econômicos caso as promessas da IA não se concretizem, apontou a The Economist em reportagem. Gigantes como OpenAI e Anthropic levantam bilhões a cada poucos meses, com valuations combinadas próximas de meio trilhão de dólares. Analistas projetam que, até o final de 2028, os gastos globais em data centers ultrapassarão US$3 trilhões.
Esse frenesi é impulsionado pela expectativa de que a inteligência artificial geral (AGI) — modelos superiores à média humana em tarefas cognitivas — possa estar a poucos anos de distância, prometendo retornos astronômicos para quem liderar essa corrida. A competição desenfreada por desenvolver os maiores modelos de IA atraiu não apenas big techs, mas também setores como desenvolvimento imobiliário e geração de energia. Empresas como a Oracle, que recentemente viu seu valuation disparar após previsões otimistas para seu negócio de nuvem voltado para IA, exemplificam essa expansão. Contudo, mesmo no melhor cenário, onde a AGI desencadeia um crescimento econômico de até 20% ao ano, muitos investidores perderão dinheiro, pois apenas alguns sairão como vencedores.
Cenários menos otimistas também são prováveis: a tecnologia pode evoluir de forma inesperada, com preferência por modelos menores em vez de grandes, ou a adoção da IA pode ser mais lenta devido a limitações técnicas, oferta de energia ou inércia gerencial. Isso poderia levar a uma redução no fluxo de capital, com startups colapsando sob o peso de perdas. Diferentemente de booms passados, como o das ferrovias no século XIX ou da internet nos anos 2000, o boom da IA poderia deixar um legado menos duradouro. Grande parte do investimento está em servidores e chips especializados, que se tornam obsoletos rapidamente. Embora data centers e capacidade energética possam ser reaproveitados, o impacto de um “resfriamento” no setor seria significativo.
A economia dos EUA, que teve 40% de seu crescimento do PIB no último ano atribuído à IA, enfrentaria um choque caso os projetos de investimento sejam reduzidos. Empresas de tecnologia, com seus lucros robustos e balanços sólidos, podem absorver perdas, mas setores como utilities, que estão se endividando para suprir a demanda de energia da IA, podem enfrentar problemas se se tornarem excessivamente alavancados. Por fim, o boom da IA também aumenta a vulnerabilidade do mercado financeiro. A concentração de valuations em poucas empresas de tecnologia eleva o risco de uma correção no mercado de ações, o que poderia abalar a confiança dos consumidores, especialmente os mais ricos, que têm impulsionado o consumo nos EUA. Um eventual “resfriamento” da IA não apenas impactaria investidores, mas também poderia enfraquecer a economia americana, já pressionada por tarifas e juros altos. Se a IA cumprir suas promessas, abrirá um novo capítulo na história econômica; caso contrário, a busca frenética por essa tecnologia deixará lições duras e custosas para os livros de história.
BTG, cujas ações acumulam altas superior a 70% no ano, é destaque da Bloomberg na semana
A trajetória do banco BTG Pactual, que recentemente virou livro, foi alvo de reportagem da Bloomberg, que destacou o desempenho de sucesso da companhia liderada pelo chairman Andre Esteves, em reportagem que contou com entrevista com o atual CEO, o executivo Roberto Saloutti. Os resultados do BTG sob a liderança de ambos têm sido tão positivos que geram até um natural questionamento na reportagem– será possível mantê-los?
O BTG, agora o segundo maior banco latino-americano por valor de mercado, demonstra resiliência, e agora sua capacidade de sustentar esse crescimento será testada, de acordo com a reportagem, que conta como o banco, tradicionalmente focado no segmento de Sales and Trading, expandiu suas operações, com os empréstimos corporativos somando R$7,6 bilhões em 2024, superando pela primeira vez o segmento de trading. A gestão de ativos quintuplicou e a de patrimônios dobrou, representando juntos quase 25% da receita total. A estratégia de crescimento do BTG incluiu uma série de aquisições estratégicas, como as operações do HSBC no Uruguai, a unidade brasileira do Julius Baer e ativos do Banco Master, além de expansões internacionais no México, Argentina e Luxemburgo.
As ações do BTG saltam 70% em 2025, com o banco entregando rentabilidade sobre o capital de 27% no segundo trimestre de 2025. Apesar do sucesso, desafios persistem, mostrou a Bloomberg. Analistas apontam riscos na expansão da carteira de crédito, especialmente devido a possíveis inadimplências em empréstimos a empresas de menor porte, em um cenário de altas taxas de juros. Além disso, a complexa estrutura acionária e a falta de transparência em algumas métricas financeiras levantam preocupações sobre governança corporativa. Ainda assim, Sallouti mantém otimismo, projetando rentabilidade acima de 24% para 2025 e 2026, mesmo diante de volatilidades geopolíticas e ameaças como as tarifas propostas por Donald Trump sobre importações brasileiras.
Wall Street Journal mergulha em reunião de líderes empresariais da Yale School Management e ouve preocupações sobre governo Trump
Em recente reunião de CEOs organizada pela Yale School of Management, líderes corporativos dos Estados Unidos expressaram preocupações significativas sobre o ambiente de negócios sob a administração de Donald Trump, apesar de alguns elogiarem publicamente suas políticas, reportou o Wall Street Journal nesta semana. Em discussões a portas fechadas, 71% dos executivos classificaram as tarifas comerciais como prejudiciais aos seus negócios, com três quartos concordando que os tribunais estão corretos ao questionar a legalidade de sua implementação. A Suprema Corte deve analisar a questão em breve.
Além disso, os CEOs destacaram que os custos das tarifas recaem sobre consumidores e importadores americanos, não sobre exportadores estrangeiros, desafiando a narrativa de que as tarifas protegem a economia doméstica. Esse cenário sugere um impacto adverso na competitividade e nos custos operacionais, o que pode pressionar margens e valuations de empresas expostas a cadeias de suprimento globais.
Apesar da agenda do governo para estimular a manufatura local, 62% dos CEOs presentes indicaram que não planejam aumentar investimentos em manufatura ou infraestrutura nos EUA. Jeffrey Sonnenfeld, organizador do evento, atribuiu essa hesitação à falta de confiança em um ambiente de negócios percebido como caótico. Embora empresas como Apple e Eli Lilly tenham anunciado iniciativas de produção doméstica, a maioria dos líderes permanece cética.
Outro ponto de preocupação foi a erosão percebida da independência do Federal Reserve, com 80% dos executivos criticando as pressões de Trump sobre o presidente do Fed, Jerome Powell, para reduzir juros. Além disso, práticas como o “golden share” do governo na U.S. Steel e acordos de compartilhamento de lucros com empresas como Nvidia levantaram alertas sobre o avanço do “capitalismo de Estado”. Essas intervenções podem distorcer dinâmicas de mercado, criando riscos para investidores em setores como tecnologia e manufatura, onde a previsibilidade regulatória é crucial.
Apesar das críticas, os CEOs mantêm confiança no potencial competitivo dos EUA, especialmente em áreas como inteligência artificial, com 74% acreditando que o capitalismo americano pode superar a economia socialista da China nesse campo.