Por Reuters
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse nesta terça-feira que a batalha contra inflação no Brasil não está ganha e que a autoridade monetária precisa persistir com uma postura restritiva.
Falando na Conferência Anual do Santander, Campos Neto destacou que o BC tem tentado adotar em sua comunicação a mensagem de que os juros ainda precisam ser restritivos.
“O Brasil conseguiu trazer a inflação para baixo com um freio de crédito bem menor que outros países”, pontuou Campos Neto.
“Quando olhamos em termos de segmentação, vemos a parte de serviços começando a cair. Mas a batalha contra a inflação não está ganha. Em nossa comunicação, adotamos que os juros ainda precisam ser restritivos”, acrescentou.
De fato, na ata de seu último encontro, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC afirmou que o atual cenário para a inflação “requer uma postura mais conservadora ao longo do ciclo” de cortes da taxa básica Selic. Atualmente, a Selic está em 13,25% ao ano.
Em sua fala, Campos Neto também voltou a citar que o país passa por um processo de “desancoragem gêmea”, em que há dúvidas no mercado em torno do cumprimento da meta de inflação e sobre a capacidade de o governo cumprir as metas fiscais estabelecidas.
“Se conseguíssemos ter uma ancoragem na parte fiscal, o trabalho monetário poderia ser feito com mais facilidade”, defendeu Campos Neto.
De acordo com o presidente do BC, mesmo com a apresentação pelo governo do novo arcabouço fiscal — atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados — o Brasil ainda registra um crescimento em termos reais das despesas. Sobre este aspecto, Campos Neto citou que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), “tem falado” sobre reforma administrativa e cortes de gastos.
O presidente do BC alertou ainda que o país tem uma dívida bruta maior e tem gastos maiores que vários de seus pares, de forma que a dívida tende a crescer mais em um cenário de juros restritivos. Além disso, afirmou que o crescimento de longo prazo do Brasil é “preocupante”.
Por outro lado, Campos Neto ponderou que o país tem conseguido trazer a inflação para baixo, fazendo isso com um impacto no crédito bem menor do que o verificado em outros países.
Ao analisar o crédito no Brasil, Campos Neto voltou a criticar o percentual elevado do crédito direcionado, em torno de 41%.
“Não tem nenhum país com crédito direcionado tão alto quanto o nosso”, disse.
Após sinais convincentes de que a alta dos preços ao consumidor está esfriando, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC decidiu no início deste mês cortar a Selic em 0,50 ponto percentual, a 13,25% ao ano, indicando que fará novos cortes na mesma magnitude nos próximos meses.
Na semana passada, Campos Neto disse que a barra estabelecida pelo Banco Central para fazer algo diferente de cortes de 0,50 ponto percentual na taxa Selic à frente é alta.
Já o diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, disse nesta terça-feira que o Brasil tem espaço para cortar a Selic sem tirar a taxa de juros de patamar restritivo, ao mesmo tempo que destacou a determinação da autarquia em perseguir a meta de inflação e ancorar as expectativas para os preços.
“O Brasil hoje tem espaço para começar esse ciclo de corte, mantendo a política monetária numa zona contracionista, e observando como vai se dar essa reancoragem total (das expectativas de inflação) e reafirmado a todo o momento no Copom o empenho em perseguir a meta de inflação”, disse Galípolo em reunião do Conselho Superior de Economia (Cosec) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
No início de agosto, o BC reduziu a taxa básica de juros Selic em 0,50 ponto percentual, a 13,25% ao ano, em decisão que dividiu os membros de sua diretoria em 5 a 4 e marcou a primeira flexibilização na taxa básica de juros em três anos. Em comunicado, o colegiado sinalizou novos cortes da mesma magnitude à frente.
Segundo Galípolo, a divergência entre os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) em sua última reunião foi apenas sobre como iniciar o ciclo de corte de juros.
“A divergência do Copom é muito menor do que pode parecer ou que está sendo, muitas vezes, colocada, porque era uma divergência sobre como é que você iniciava o ciclo de cortes, com uma unanimidade sobre qual deveria ser a continuidade”, afirmou o diretor nesta terça-feira.
No entanto, ele enfatizou que a redução da taxa Selic é recebida de forma diferente ao longo do tempo e de acordo com o mercado, com alguns setores sendo tão sensíveis a ponto de terem seus custos de financiamento impactados antes mesmo dos cortes feitos pelo BC.
“Essa redução das taxas de juros se dá de maneira diferente tanto ao longo do tempo, como também ao longo do mercado… Essa redução, antes mesmo do corte da Selic, já estava presente para um grupo de empresas. Porém, para um outro grupo grande, você não vai assistir essa mesma redução”, disse.
Nesse sentido, Galípolo afirmou que a condução das políticas públicas brasileiras e da política monetária pelo BC deve caminhar em direção a permitir maior “perenidade” do afrouxamento monetário e do crescimento econômico de longo prazo.
MERCADO DE CÂMBIO
Após uma alta de cerca de 3,6% do dólar frente ao real desde que o Copom cortou a taxa Selic, no início deste mês, Galípolo disse que a recente depreciação da taxa de câmbio está mais ligada a fatores globais.
“Imediatamente após o Copom, vimos o real perder valor perante o dólar. A gente viu algumas interpretações legítimas que associaram à decisão do Copom, o que foi gradativamente perdendo força, porque ao olhar para as outras moedas a gente via que esse era um movimento global”, disse ele nesta terça-feira.
O dólar encerrou a sessão de segunda-feira em 4,9792 reais na venda, bem acima do nível de 4,8051 registrado no dia em que a Selic foi cortada a 13,25%. O dólar tende a se valorizar quando há redução no diferencial de juros entre o Brasil e outras economias, já que isso torna a rentabilidade da divisa local menos atraente.
Ao mesmo tempo, de fato o cenário externo tem se mostrado adverso, com preocupações sobre o crescimento econômico da China e a disparada dos rendimentos dos títulos soberanos dos Estados Unidos derrubando várias divisas emergentes, não apenas o real.
“A questão da volatilidade do câmbio aflige todos os emergentes. O Brasil às vezes sofre um pouco mais pelo fato da profundidade e liquidez que o real oferece entre os emergentes”, avaliou Galípolo.
Segundo o diretor, o Banco Central tenta atenuar esse tipo de volatilidade com seus tradicionais instrumentos de política cambial, como os leilões diários de swaps. Ele destacou que há as reservas também. “Ainda que você não as use, é um tema muito relevante para você poder ter linhas de defesa que sinalizam para o mercado uma robustez”, disse Galípolo.
Para além de seus diários e planejados leilões de rolagem de swap, faz tempo que o BC não intervém no mercado de câmbio. Desde janeiro deste ano a autarquia não realiza leilões de linha — ou a venda de moeda estrangeira conjugada com compromisso de recompra –, e a última vez que vendeu dólares de suas reservas no mercado à vista foi em abril de 2022.