Por Bernardo Caram
A corrida para ampliar a arrecadação de impostos diante da prioridade traçada pela equipe econômica de zerar o déficit fiscal em 2024 tem gerado incômodo em parte dos técnicos do Ministério da Fazenda, relataram à Reuters duas fontes da pasta, sob o argumento de que o plano inclui antecipação de medidas que ainda não estavam maduras ou que deveriam ser debatidas estruturalmente na reforma tributária.
Uma terceira fonte que acompanha a elaboração das propostas disse que a necessidade de fechar as contas obriga o governo a apressar iniciativas, ponderando que medidas enviadas emergencialmente não inviabilizam uma discussão estrutural em um segundo momento, ainda que durante a tramitação no Congresso. Procurado, o Ministério da Fazenda não comentou.
“Com esse problema da meta do ano que vem, estão tentando antecipar tudo, a todo custo. A ideia de fazer uma reforma pensada (sobre a renda), assim como está sendo feito na dos tributos sobre consumo, vai ser difícil”, disse uma das fontes, que falou sob condição de anonimato.
Na avaliação da segunda fonte, que concorda com a análise sobre o risco de haver um impacto negativo na reforma tributária, o cenário desafiador também está relacionado à baixa disposição do governo em promover ajustes de gastos. Para ela, esse foi o motivo da urgência criada para a apresentação das medidas de receita.
“O rombo fiscal e a falta de vontade de cortar despesas não deixou outra alternativa”, afirmou.
O risco de uma eventual discussão apressada de iniciativas para ampliar receitas também foi abordado pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que alertou na semana passada que a corrida por mais arrecadação em alguns países gerou uma erosão na base arrecadatória, o que, segundo ele, traz preocupações também para o Brasil.
Sob as regras do novo arcabouço fiscal, sancionado em agosto, o governo tem como alvo a meta de déficit primário zero em 2024, com tolerância de aproximadamente 29 bilhões de reais para mais ou para menos. O projeto de Orçamento do ano que vem, apresentado na semana passada, prevê que o objetivo será alcançado após uma ampliação de 168,5 bilhões de reais em receitas com ações arrecadatórias propostas nos últimos meses, incluindo medidas ainda não aprovadas.
Um dos exemplos de iniciativas citadas pelas fontes que foram antecipadas pelo governo é a tributação periódica nos fundos exclusivos de investimento — instituída por medida provisória que ainda será avaliada pelo Legislativo.
A alternativa foi adotada depois que os parlamentares rejeitaram uma a mudança na tributação de fundos offshore, também enviada inicialmente ao Congresso via medida provisória, junto com a correção da tabela do Imposto de Renda da pessoa física.
Com isso, a Fazenda decidiu deixar a taxação dos fundos offshore para um projeto de lei que, se for aprovado, surtirá efeito apenas em 2024. Para assegurar as receitas necessárias para compensar a mudança na tabela do IR, adiantou a taxação dos fundos exclusivos, voltados à alta renda.
Em outra frente, o projeto que prevê o fim do mecanismo de distribuição de juros sobre capital próprio (JCP) — uma forma de remunerar acionistas com menor recolhimento de tributos — foi enviado na semana passada ao Congresso sob ressalvas feitas publicamente pelo próprio ministério, apesar de o texto fazer parte do conjunto de ações para zerar o déficit em 2024.
Em entrevista à imprensa na última quinta-feira, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, afirmou que a discussão da medida ainda não está madura e que se o governo “correr” para tratar da extinção do mecanismo pode ser criado um desequilíbrio de mercado.
No mesmo dia, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o aperto nas contas, ampliado por uma discrepância entre índices de inflação usados para projetas receitas e despesas públicas, forçou o governo a antecipar ações “que talvez nós endereçássemos só no ano que vem para o Congresso”.
Outra iniciativa recente da pasta com potencial de alavancar receitas é a medida provisória que busca acabar com a concessão de incentivos fiscais federais com base em subvenções dadas por Estados para gastos com custeio de companhias, limitando os benefícios a investimentos. O texto, que, na prática, aumenta a tributação média sobre empresas, teria que ser analisado pelo Congresso antes da reforma do Imposto de Renda para ter efeito já em janeiro de 2024.
A Fazenda chegou a cogitar enviar ao Congresso a reforma do IR após a Câmara ter aprovado a reforma do consumo em julho. No entanto, a ideia foi abandonada depois que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se posicionou contra a apresentação do texto até que o Congresso tenha esgotado o debate sobre a reforma do consumo, que agora tramita no Senado.
Pela nova previsão da equipe econômica, a reestruturação ampla do Imposto de Renda para pessoas físicas e empresas deve ser apresentada apenas no final do ano.
“A posição do ministério é a posição do ministério, e todo mundo defende. Não acho que medidas de curto prazo acabem prejudicando”, ponderou a terceira fonte, ao afirmar que o governo tem mostrado disposição para dialogar com o Congresso.
“Obviamente, a necessidade de fechar as contas do Orçamento te obrigam a antecipar algumas medidas, mas essa antecipação não impede que depois você faça o debate estruturalmente correto”, acrescentou.