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EUA subestimam China com guerra comercial, alerta consultor; WSJ vê Xi pronto para 'longa disputa'

Reuters News Brasil
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São Paulo, 24/4/2025 – Um consultor que já deu conselhos ao atual secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, sobre negócios na China, alertou hoje que os EUA parecem subestimar a força da economia do país asiático em uma eventual guerra comercial, e pediu que a estratégia americana seja reconsiderada, enquanto reportagem do Wall Street Journal apontou que os chineses estariam há tempos já se preparando para uma “longa briga”.

O fundador da China Market Research Group (CMR), Shaun Rein, que teve conversas sobre a China com Bessent quando ele era chefe de investimentos da Soros Fund Management, de George Soros, há doze anos, disse que já naquela época enxergou “diversas falhas” nas análises do agora secretário do Tesouro.

“Naquela época, ficou claro para mim que você subestimou a ascensão econômica da China e o apoio ao Partido Comunista Chinês entre os chineses no dia a dia… mas agora esse erro de avaliação é perigoso. Não prejudica apenas os retornos de seus veículos de investimento, agora você está atingindo meu bem-estar econômico e de meus colegas americanos por ser tão arrogante e cego sobre a China”, escreveu Rein na rede social “X”.

Shaun, que escreveu livros sobre o país oriental, incluindo “O Fim da China Barata”, defendeu que a China é hoje o maior mercado de varejo do mundo, rivalizando com os EUA em tecnologias que vão do Deep Seek à Huawei e BYD. Também de acordo com ele, o país asiático se movimenta desde 2017 para reduzir seu risco relacionado aos EUA, o que facilitaria eventual rompimento definitivo com os americanos.

Segundo Shaun, a China é responsável por impulsionar os lucros de companhias americanas que vão desde Boeing e Nike até a KFC – famosa rede global de fast-food especializada em frango frito. “Você disse que a Louis Vuitton não se daria bem na China. Bom, Bernard Arnault rivaliza com Elon Musk pelo título de homem mais rico do mundo ao vender bolsas à China”, complementou, referindo-se a visões que Bessent teria expressado antes sobre o país asiático.

Também de acordo com o consultor, a China está determinada a reagir fortemente às tarifas de Trump, ainda que se pense que o país asiático não possui as cartas na mesa para negociar o impasse tarifário.

Visão similar foi trazida por reportagem de hoje do The Wall Street Journal, que avalia que o presidente Xi Jinping “armou a China para jogar um longo e potencialmente doloroso jogo em sua disputa com os EUA”, o que passou tanto por medidas econômicas quanto pelo aumento da vigilância sobre os cidadãos e pelo discurso ideológico.

“O líder chinês quer endurecer seu país especificamente para um confronto com os EUA, pedindo a seus oficiais que se engajem no que ele chama de ´avaliação de cenários extremos´”, afirmou o WSJ, citando um professor do MIT, Yasheng Huang, autor de “Statism with Chinese Characteristics”.

“A sociedade chinesa tem uma capacidade incrivelmente alta de suportar sofrimento”, disse Huang, que vê o país asiático muito mais distante de uma ruptura interna hoje do que em qualquer momento desde o fim da era de reformas de Mao Tsé Tsung, nos anos 1970.

Para Shaun, Xi Jinping provavelmente não cederá às tentativas de negociação de Trump – ontem, o país negou ter iniciado conversas sobre o impasse tarifário, após Trump ter repetido diversas vezes que ambos países têm se falado. Nesta quinta, o republicano afirmou que uma suposta reunião teria ocorrido pela manhã com autoridades da China.

“A China vê isso como uma oportunidade única em um século para mudar a ordem mundial para sempre, em nossa desvantagem. E a legitimidade do PCC não vem de um voto democrático, vem de tornar a China forte novamente após um século de humilhação por parte das potências imperiais americanas e europeias. Em outras palavras, o PCC tem se preparado para um confronto como este desde sua própria existência”, resumiu Shaun.

TECNOLOGIA ANTI-REVOLTA
Parte do mundo financeiro se agarra a uma teoria segundo a qual a manutenção do atual regime na China estaria de certa forma atrelada ao sucesso da economia, dado que insatisfação popular poderia colocar à prova o apoio à autoridade do Partido Comunista.

Mas, segundo o WSJ, a China tem se dedicado longamente a criar um amplo sistema de vigilância e controle dos cidadãos, que já inclui uso de modelos de inteligência artificial para monitoramento de pessoas e até projeções sobre “comportamentos de risco” e protestos.

“A razão pela qual eles gastaram todo esse tempo construindo esses sistemas é precisamente para a situação que estão enfrentando agora”, disse ao WSJ uma ex-analista de inteligência do Departamento de Estado americano, Jessica Batke, que hoje atua como editora na revista online ChinaFile.

Shaun, em tom crítico, alertou a Bessent por sua vez que os CEOs de companhias como Apple e Walmart já vêm alertando para a potencial escassez ser observada no verão norte-americano. “Nossos mercados acionários são como um cassino, aguardando por uma palara sua ou de Trump de que a estupidez tarifária não durará para sempre.”

Em anos anteriores, Bessent já vinha expressando visões sobre a necessidade de remodelar o sistema de comércio global, enfatizando a reorientação do sistema financeiro e comercial para melhor servir os interesses americanos – promovendo um comércio mais justo, em sua visão.

“Estamos também em um momento geopolítico único, e eu posso ver que nos próximos anos teremos que ter algo como uma grande reordenação econômica global, equivalente a um novo Bretton Woods. Há uma boa chance que tenhamos de ter isso ao longo dos próximos quatro anos, e eu gostaria de ser parte disso”, disse Bessent em junho de 2024.

O secretário do Tesouro reafirmou diversas vezes o viés de que os EUA assumiram o papel de consumidor principal e provedor de segurança global enquanto a China apoiou-se em um modelo econômico baseado em exportações excessivas – e que um reequilíbrio comercial do país asiático seria necessário para o mundo.

Shaun, por sua vez, crê que Bessent esteja cometendo o mesmo “erro” observado quando falaram sobre China no passado. “Você ignorou meu conselho uma vez há 12 anos. Não o ignore novamente”, afirmou. Ele ainda ironizou o secretário por ter ido para o governo Trump após ter trabalhado com George Soros, frequentemente criticado pelo presidente e seus assessores.