Por Artur Horta e Luciano Costa
O minério de ferro deve ter dificuldades para ir além dos U$120 por tonelada neste ano, ainda que o preço da commodity tenha ganhado alguma tração nos últimos dias, e o motivo são os dados fracos da economia chinesa, disse à Mover o CEO da consultoria Terraco Commodities, Gilberto Cardoso.
Os futuros do minério de ferro, que chegaram a superar US$110 por tonelada na semana passada, recuam levemente nesta segunda-feira, com incertezas de curto prazo sobre a demanda por aço e medidas chinesas para incentivo à economia.
“Neste ano, vejo o minério de ferro terminando mais próximo de US$100 por tonelada, não estou tão otimista de que vai chegar a US$120”, avaliou Cardoso. “Podemos ter mínimas do ano talvez entre outubro e dezembro. Caso as coisas continuem ruins, quem sabe chegue a US$90 ou US$95/tonelada”, projetou ele, que vê mineradoras correndo para entregar metas de produção na reta final do ano.
Por outro lado, segundo Cardoso, em um horizonte de médio e longo prazo, há uma tendência de perda de força do ingrediente siderúrgico em relação aos metais ligados à transição energética, o que inclusive está no radar da nova estratégia da Vale.
Analistas atribuíram a alta no minério de ferro nas últimas semanas às expectativas para o tradicional período de pico da construção civil da China, que começa em setembro. Mas, diferente das últimas duas décadas, essa temporada provavelmente ocorrerá em meio ao cenário de baixa confiança do povo chinês.
Antes da pandemia, investimentos em construção civil, que impulsionam a demanda global por minério de ferro, já mostravam baixo retorno sobre capital na China. A Covid-19 desencadeou um cenário ainda pior, evidenciado pela crise recente da gigantesca incorporadora Evergrande.
“A confiança foi quebrada e restaurá-la demora”, afirmou Cardoso, que projeta que o processo de ajuste até a melhora do setor de construção civil na China pode levar mais um ano.
O especialista também estima a queda na produção chinesa de aço neste ano, em contraste com a maior oferta de minério de ferro no segundo semestre, o que joga contra a valorização da commodity.
Uma eventual valorização fica ainda mais difícil em meio à sequência de dados fracos da economia da China – que inclusive levaram o Morgan Stanley a reduzir a projeção de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) chinês deste ano de 5% para 4,7% na semana passada – e ao consumo de aço abaixo das expectativas na Europa e no sudeste asiático.
‘NÃO EXISTE OUTRA CHINA’
Segundo Cardoso, há uma transformação em curso na China, com a maior importadora e consumidora global de aço buscando se tornar uma economia pautada no consumo.
Após décadas de pesados investimentos em infraestrutura em rodovias, ferrovias e habitação, o gigante asiático não tem mais grandes projetos produtivos nessas áreas. As reformas econômicas têm sido pautadas em políticas de incentivo a indústrias de alto valor tecnológico e sustentável, além de aumento do nível de renda.
Esse movimento deve beneficiar principalmente commodities ligadas ao aumento da renda per capita, como soja e proteínas, bem como às ligadas à descarbonização e transição energética.
“O cobre deve ser o queridinho nas próximas décadas, pois é chave para a eletrificação e permite a descarbonização em todas as etapas”, disse Cardoso, que elogiou a estratégia da Vale de atrair novos sócios para sua unidade de metais básicos, focada nos chamados “metais de transição”.
Já o minério de ferro, por outro lado, que já se beneficiou dos mega planos chineses, deve ser impactado pela menor demanda de aço nos novos setores-chaves, na comparação com negócios tradicionais de infraestrutura.
O recado que fica para mineradoras e investidores da commodity é que, para o bem ou para o mal, não existe outra China como a dos últimos 20 anos. Outras regiões que têm expandido suas economias e o consumo de aço, como o Oriente Médio e a Índia, demandam volume ainda pequeno em importações.
“Não existe outra China para o mercado de minério de ferro”, afirmou Cardoso.
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