Por Giovanna Tegani*
Há algumas semanas, um influenciador digital do mercado financeiro apontou que “não existe pobreza que resista a 14 horas de trabalho”, logo depois de viralizar com um corte de um vídeo antigo onde dizia que era possível gastar apenas R$300,00 por mês em alimentação. Não foi só isso. Anteriormente, já havia viralizado com uma opinião bastante controversa sobre o mercado imobiliário. E tem mais: mesmo antes disso, havia protagonizado uma polêmica sobre seu novo relacionamento com uma influenciadora digital caótica e, antes disso… Ufa! É polêmica que não acaba mais. Vamos por partes.
Na citação do momento, onde o influenciador indica que não existe pobreza que resista a 14 horas de trabalho, eu concordo. E aqui, explico o porquê. Primeiro, precisamos entender o que é “pobreza”. Uma pesquisa desenvolvida pelo FGV Social, a partir de dados disponibilizados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indica que, no mapa da pobreza, existem mais de 62,3 milhões de brasileiros que sobrevivem com renda domiciliar per capita de até R$ 497 mensais. Agora, podemos compreender que esta situação se replica a uma série de profissões diferentes, desde professores formados com ensino superior até trabalhadores da limpeza urbana.
Pensemos na rotina de um trabalhador da limpeza urbana, que, de acordo com o site Glassdoor, recebe em média R$1580,00 reais por mês. Para que este trabalhador esteja na linha da pobreza do Brasil, ele precisaria ser a única fonte de renda em uma família de três ou quatro pessoas, o que não é muito fora dos padrões nacionais. E agora, visualize a rotina desse trabalhador. Ele acorda cedo, corre as ruas da cidade durante as 14 horas que o influenciador indica, se alimenta mal, não tem acesso a suporte médico de qualidade, mora nas periferias e perde mais 3 ou 4 horas no trajeto entre sua casa e seu emprego. Só aí já são 18 horas fora de casa. Sobram 6 horas por dia para que ele possa comer, tomar banho, conviver com a família, descansar e se preparar para sair de casa novamente. Dito isso, afirmo: concordo fielmente com o influenciador em questão. Não há pobreza que resista a esse ritmo de vida. Porque não há pessoas que resistam por muito tempo.
Obviamente, uma pessoa não deve estar contente nessas condições e precisa se especializar, estudar e se preparar para ocupar cargos melhores remunerados. Mas a questão aqui não é essa. A questão é que se você acredita que esse tipo de influenciador desconhece o pensamento lógico, está sendo ingênuo. A personalidade sabe que uma afirmação assim faria sentido apenas para uma classe muito pequena de pessoas, que se tornaram suas defensoras, enquanto a maior parte da audiência estaria revoltada com a afirmação, dado o tamanho absurdo de garantir que apenas trabalhando 14h por dia você naturalmente já atingiria a riqueza. E é aí que a mágica acontece.
Fazer uma afirmação controversa mantém essa personalidade em evidência. As pessoas criam discussões ao redor disso, gera um alcance maior para as redes sociais do indivíduo, que consegue vender mais de seus produtos, fechar parcerias e construir o hábito de consumir os materiais que ele produz, seja como lover ou como hater.
Dito isso, as polêmicas se repetem. Sempre em torno de gerar um buzz pelas declarações feitas. E não é somente este influenciador que possui o “modus operandi” voltado para as discussões. É toda uma classe de personalidades que constroem suas audiências na base do “falem mal, mas falem de mim”, mas adaptando melhor para a realidade virtual que vivem, seria “falem bem ou falem mal, mas falem nas minhas redes sociais”.
E aí você pode perguntar: vale a pena essa exposição?
E eu respondo: aparentemente, vale, sim. Tirando os fatores psicológicos que a fama instantânea promove no cérebro das pessoas, podemos visar os números atingidos com isso.
O mercado financeiro gerado por influenciadores digitais é conhecido como “creator economy”, e engloba todo tipo de conteúdo criado por personalidades na internet, desde que envolva a divulgação disso em redes sociais. De acordo com com um estudo divulgado pela plataforma Collabstr, a “creator economy” movimentou mais de R$ 82 bi em 2022 e está em um crescimento acelerado, atingindo um mercado global com evolução de mais de 40% no volume de pessoas se aventurando por um espacinho de audiência nas redes sociais.
Com tantos creators ativos nas redes sociais, temos pessoas falando sobre tudo, mesmo sobre assuntos que não dominam. E existe uma disputa sangrenta pelo público. Dado este cenário, os influenciadores podem buscar polêmicas para “furar a bolha” de suas redes sociais e atingir públicos diversos.
Assim, toda vez que você avistar uma postagem com alguma opinião bélica e vier aquela vontade absurda de explicar a realidade para o responsável pelo post, pode apostar que o desejo dele é exatamente essa reação. Ele sabe que é polêmico e a sua raiva gerará riqueza para a rede social dele.
Ou seja: não há pobreza que resista a 14h de polêmica por dia nas redes sociais.
*As opiniões dos colunistas do FLJ não refletem a posição do veículo.