Fed reacelerar aperto seria tão incomum quanto o cenário atual

Seria o banco central dos Estados Unidos capaz de mudar de ideia tão rapidamente?

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Por Felipe Corleta

O presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, disse nesta semana que o banco central dos Estados Unidos está pronto para retomar um ritmo mais agressivo nas altas de juros se os dados econômicos assim demandarem. Se confirmada a indicação, essa será a primeira vez que o Fed “reacelera” o passo desde crise estagflacionária dos anos 1970.

“A taxa de juros deve ser mais alta do que o anteriormente previsto”, afirmou Powell no Comitê Bancário do Senado dos EUA, antecipando que “o Fed está preparado para elevar o ritmo das altas de juros”. O Fed subiu o juro em 75 pontos-base por reunião entre junho e novembro de 2022, e reduziu o ritmo para 50 pontos em dezembro e para 25 pontos em fevereiro de 2023.

Vale notar que o sistema de reuniões do Comitê de Mercado Aberto do Fed a cada 45 dias e as definições de um intervalo-meta para os juros americanos começou em 1990.

Reacelerar o ritmo de alta de juros seria uma medida incomum, em tempos incomuns. Os números econômicos são estranhos: após o maior choque de juros em meio século, a economia americana convive com o menor nível de desemprego no mesmo período; ao mesmo tempo, indicadores antecedentes da atividade sinalizam uma recessão e o endividamento do governo supera os US$31,42 trilhões, mais de 200% do PIB.

Sem dúvida, uma reaceleração iria de encontro a uma diretriz importante dos bancos centrais: a de suavização dos movimentos de juros. Um artigo famoso de 1999 dos economistas Brian Sach, do Fed, e Volker Wieland, do Banco Central Europeu, advoga pelo valor teórico de mover os juros “em pequenos passos” e de “reverter ritmos e direções da trajetória de juros apenas infrequentemente”.

O movimento, embora mostrasse o “hawkishness” do Fed, ou forma aguerrida e comprometida de controlar a inflação, também abriria um precedente de incerteza. Seria o banco central dos Estados Unidos capaz de mudar de ideia tão rapidamente?

Impossível não pensar no tempo que o Fed levou para mudar de ideia em relação à “inflação transitória”, que postergou o início do ciclo de alta de juros, o que, para muitos, exigiu que o aperto fosse mais longo.

Após as falas de Powell, parte dos investidores passaram a apostar em um novo choque de meio ponto percentual na taxa de juros na reunião do FOMC do dia 22 de março. De acordo com derivativos negociados na Chicago Mercantile Exchange, as chances para que a alta de juros deste mês volte ao ritmo de 50 pontos são de 70%, ante 30% na semana passada.

O economista-chefe da SGH Macro Advisors, em entrevista ao The Wall Street Journal, afirmou que Powell não teria “deixado a porta aberta” para voltar a acelerar a trajetória de juros “se não pretendesse seguir por este caminho”. A matéria é assinada por Nick Timiraos, jornalista que ganhou notoriedade ao longo do mandato de Powell por antecipar os movimentos do Fed com acurácia.

O Goldman Sachs manteve a sua aposta de manutenção do ritmo de 25 pontos, mesmo pontuando que, agora, a aposta é um “close call”, ou bastante incerta. Mesmo mantendo a projeção para o ritmo, os economistas do banco americano liderados por Jan Hatzius elevaram a projeção para o topo da faixa da taxa de juros de 5,50% para 5,75%.

Na CME, as chances de que os juros americanos atinjam o patamar de 6,00% em setembro subiram de 0,1% em fevereiro para 30,1% nesta quarta-feira.

A taxa de juros nos EUA hoje está no intervalo de 4,50% e 4,75%, a inflação medida pelo núcleo do índice do gasto do consumo pessoal, métrica preferida do Fed, atingiu 4,70% em janeiro, bastante acima da meta de 2,00% do Banco Central.

“Seja a alta de março de 25 ou 50 pontos-base, a expectativa é de aumento das projeções de juros”, afirma o Goldman Sachs.

Se ainda restam grandes dúvidas em torno da afirmação de Powell sobre o ritmo, “mais altos e por mais tempo” parece bastante consensual. E a reunião do FOMC do dia 22 de março se configura como o principal evento macroeconômico global deste ano até aqui.

*O conteúdo da coluna é de responsabilidade do colunista e não reflete o posicionamento do FLJ.