Tensão no mercado elétrico

Comercializadora de energia rompe contratos e fala em "instabilidade e crise" no setor, dizem fontes

Comercializadora de energia rompe contratos e fala em "instabilidade e crise" no setor, dizem fontes
Copilot

São Paulo, 09/10/2025 – O mercado de comercialização de energia elétrica vive momentos de tensão, após mais uma empresa do setor alertar que não conseguirá cumprir alguns contratos, o que gera temores de impactos sobre outros grupos que atuam com “trading” de eletricidade, disseram ao Faria Lima Journal seis fontes com conhecimento do assunto.

Praticamente um mês após a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) revogar autorização da comercializadora Gold, fundada por ex-sócios do BTG Pactual, por inadimplência e descumprimentos contratuais, a América Energia enviou notificação em que avisa que está rompendo contratos com a Comerc, braço de geração e comercialização de eletricidade da Vibra Energia, de acordo com as fontes, que pediram anonimato devido à sensibilidade do tema.

A quebra da Gold, que entrou em recuperação extrajudicial neste ano, após problemas financeiros iniciados em 2024 e dívida de mais de R$1,0 bilhão, gerou perdas para empresas com as quais ela havia negociado energia, incluindo subsidiárias de comercialização de grupos como Auren, Cemig, CPFL e Copel. A Cemig chegou a ficar com posição “short” no mercado devido à não entrega de energia no episódio. A geradora e comercializadora 2W Energia também foi para recuperação judicial neste ano, afetando contrapartes e parceiros de negócios.

“Nos últimos anos, como é de conhecimento e como tem sido constantemente divulgado, o setor de energia elétrica no Brasil atravessa um período de instabilidade e crise que impactou fortemente agentes no mercado. A América foi diretamente atingida, o que gerou um desequilíbrio financeiro que pode colocar em risco sua continuidade operacional caso não seja adequadamente endereçado”, disse a trading América Energia, em comunicado obtido pelo Faria Lima Journal com fontes.

“Com o agravamento da crise desde o início do ano corrente, após ampla análise interna, entendemos que a manutenção do(s) contrato(s) vigentes(s) com a COMERC tornaram-se inviáveis, motivo pelo qual comunicados a rescisão de todos… a partir do suprimento de 01 de setembro de 2025”, acrescentou. Procurado, um porta-voz da America não respondeu até o fechamento desta matéria.

A Comerc confirmou ao Faria Lima Journal que recebeu a notificação da America. “A empresa reforça que não haverá qualquer impacto aos clientes e parceiros de trading, que continuarão sendo atendidos com total confiabilidade. Com mais de 20 anos de atuação no mercado de energia, a Comerc possui estrutura de governança e gestão de risco consolidadas, que garantem segurança e estabilidade em todas as frentes do negócio. A empresa conta com estrutura financeira robusta, mantendo o foco em oferecer soluções eficientes e sustentáveis para seus clientes e parceiros em todo o país”.

MAIS IMPACTADOS

Fontes especulam que outros clientes podem ter enfrentado rescisões contratuais, mas não foi possível confirmar outros casos de imediato. No comunicado à Comerc, uma das pioneiras do setor de comercialização, comprada mais recentemente pela Vibra, a America disse que “sempre atuou no mercado com honestidade, transparência, lisura e saúde financeira… sendo reconhecida no mercado pela sua atuação com seriedade”.

Ao menos outras duas “tradings” de eletricidade estariam também com dificuldades financeiras, disseram as fontes, citando que a “quebra” da Gold causou efeito em cadeia em muitas empresas. No mercado livre de eletricidade, um ambiente de atacado em que comercializadoras e geradoras negociam contratos de suprimento com indústrias e varejo, clientes podem ficar expostos aos preços do mercado à vista, bastante voláteis, caso suas contrapartes não cumpram com a entrega da energia negociada.

As comercializadoras podem enfrentar dificuldades quando erram apostas na alta ou queda dos preços de energia, por operarem “alavancadas”, com vendas a descoberto, à semelhança do mercado de ações, ou se contrapartes deixam de cumprir contratos.

Fontes disseram que “rumores sobre a saúde financeira” da América e outras tradings de energia já circulavam “há alguns meses”, gerando apreensão no setor, com algumas das empresas atribuindo o início dos problemas à situação da Gold e da 2W.

SETOR TEM GRANDES NOMES

A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) registra 487 comercializadoras de eletricidade habilitadas a operar. Entre as líderes do setor estão tradings dos bancos BTG Pactual, Santander e da corretora XP, além de subsidiárias das elétricas Auren, Enel, Copel e Eneva.

O setor envolve riscos elevados, dadas as variações abruptas dos preços no mercado de eletricidade, que têm influência de fatores como as chuvas nos reservatórios das hidrelétricas, oferta e demanda, e até a disponibilidade de linhas de transmissão para transportar mais energia. Anos atrás, entre 2019 e 2020, o segmento já havia registrado algumas quebras de empresas depois de uma disparada de preços, atingindo companhias como Vega Energy, Comercializa Energia e Linkx.

Mais recentemente, o episódio da Gold Energia foi considerado ainda mais grave pela Aneel, por gerar prejuízos até para consumidores residenciais, que não atuam no mercado livre elétrico, voltado a grandes empresas. A Gold havia negociado energia com concessionárias de distribuição em leilões, e não entregou.

Um dos diretores da Aneel, Fernando Mosna, chegou a comentar que a Gold agiu “quase como uma casa de bet”, devido às apostas especulativas no mercado elétrico. “Se ele não está atuando no mercado de energia, mas fazendo ´Jogo do Tigrinho´, nós não podemos simplesmente aplicar a regra regulatória, revogar a outorga e encerrar dessa forma. Temos que dar um passo adiante… dar uma resposta firme, para que em situações futuras, comportamento como esse não se repita”, afirmou, em setembro.

No caso da America, uma das fontes disse que a empresa vinha tentando resolver os problemas. “Não está sendo igual a Gold, que sumiram e nem respondiam ligações”, disse um agente de mercado.