Na minha última coluna, procurei explicar como o Congresso vem, há uma década, “sequestrando” as receitas do Poder Executivo (www.flj.com.br/colunas/como-o-congresso-sequestrou-o-governo-lula). Mostrei o principal artifício que vem sendo usado para que o Congresso tome o espaço do Executivo: mudar a Constituição e exigir que o governo libere recursos para cada uma das emendas que os parlamentares propõe para “beneficiar” suas bases eleitorais. Antes, o governo pagava se quisesse ou para quem quisesse. Só liberava aquelas que lhe interessavam política ou administrativamente.
Foram vários dribles do Congresso sobre o Executivo, notadamente em cima de presidentes fracos em sua relação com o Congresso, os responsáveis pela transferência dos recursos públicos do Executivo para o Legislativo. Dilma Rousseff e seu mau-humor endêmico; Michel Temer e sua subserviência ao Congresso; e a dependência de Bolsonaro do Centrão. O impacto acumulado das três gestões foi brutal. Reduziu-se a capacidade de investimentos do governo, diminuiu-se o poder do Presidente da República e sua capacidade de fazer política.
Para quem nunca entendeu a gravidade desse assunto basta ver o discurso do presidente do Congresso, Arthur Lira, na abertura do ano Legislativo (segunda, dia 5). Lira fez mais do que defender o dinheiro do Congresso. Desenhou como deveriam caminhar as instituições daqui para frente, deixando claro que, nos dilemas orçamentários, a última palavra é do Congresso.
Disse Lira: “Fundamental também relembrar que nossa Constituição garante ao poder Legislativo o direito de discutir, modificar, emendar, para somente aí, aprovar a peça orçamentária oriunda do poder Executivo. Não fomos eleitos, nenhum de nós, para carimbar. Não é isso que o povo brasileiro espera de nós. O Orçamento da União pertence a todos e todas e não apenas ao Executivo, porque se assim fosse, a Constituição não determinaria a necessária participação do poder Legislativo em sua confecção e final aprovação”
O presidente da Câmara foi além: “O Orçamento é de todos e todas, brasileiros e brasileiras. Não é nem pode ser de autoria exclusiva do poder Executivo e muito menos de uma burocracia técnica, que, apesar de seu preparo, que não discuto, não foi eleita para escolher as prioridades da nação e não gasta a sola do sapato percorrendo os pequenos municípios brasileiros como nós parlamentares e deputados.”
Ao FLJ, o cientista político Antonio Lavareda disse que o sistema de governo brasileiro está deixando de ser presidencialista para tornar-se uma espécie de “Parlamentarismo Orçamentário”. Ele apontou o perigo dessa disputa e citou os números. “Comparados à fatia disponível para investimento discricionário (R$ 85 bilhões) – dinheiro sem destinação obrigatória – ao qual há dez anos era praticamente todo ele usado pelo Executivo, hoje os Parlamentares já têm R$ 50 bi.” É praticamente um governo paralelo.
Para se ter uma ideia, nos EUA, emendas parlamentares não passam de 2,8% do que o presidente Joe Biden tem disponível para o investimento discricionário.
Lavareda aponta outra aspecto perigoso desse processo: a falta de conhecimento sobre a eficácia, a ausência de responsabilização e de fiscalização do cumprimento das emendas. “Por acaso alguém conhece o impacto nas políticas públicas do agregado das Emendas, por exemplo, do ano passado? Ou de qualquer outro ano?”, pergunta ele. “Como fica a exigência constitucional da transparência da aplicação das verbas públicas?
Lavareda acredita que essa disfunção ameaça inviabilizar o disfuncional presidencialismo brasileiro. “Mas o problema ainda maior, sem dúvida, é a ausência de avaliação do investimento. O TCU analisa o do Executivo; e ninguém avalia o do Congresso. Importante é a imprensa passar a cobrar. Alguém sabe o que foi feito dos R$ 38 bilhões de emendas de 2023? O Presidencialismo que temos não funciona mais. Nem dá para restaurar o antigo.”