O final do ano foi de euforia para o mercado de criptoativos, evidenciando consolidação de ativos digitais em meio a altas expressivas. Apesar das possíveis correções de preço, devido ao fator liquidez e ao potencial caráter especulativo, as perspectivas para 2024 sugerem fortes altas, preocupações sobre eventuais fraudes e falências associadas direta ou indiretamente a criptoativos e o amadurecimento de uma estrutura regulatória eficaz em importantes economias do mundo.
Nos Estados Unidos, país com o maior número de pessoas que investem em criptoativos, as criptomoedas são legalizadas, podendo ser aceitas como pagamento de bens e serviços ou comprados diretamente em instituições bancárias. Entre as big techs,o Google, por exemplo, já atualizou sua política de publicidade relacionada a criptomoedas para permitir a divulgação de anúncios sobre fundos fiduciários de criptoativos nos Estados Unidos a partir do final deste mês.
Na Ásia, o governo chinês, recentemente, ainda que não mencionando diretamente criptomoedas populares como Bitcoin e Ethereum, indica uma abertura para o setor de criptoativos e uma reviravolta na abordagem da China perante os ativos digitais. A Rússia, por sua vez, incluiu o Rublo Digital em seu código tributário, evidenciando uma aceitação crescente de criptoativos globalmente.
Na América Latina, a Argentina adotou o Bitcoin em contratos de pagamento, enquanto El Salvador já passou a aceitar oficialmente a mesma moeda. Uruguai, México, Paraguai, Peru, Equador, Colômbia, Chile e Panamá, por sua vez, avançam legislações que visam regulamentar as atividades de criptoativos e prover segurança jurídica no respectivo país. Na contramão desse movimento, observamos a Bolívia que, em 2014, tornou-se o primeiro país da América Latina a banir criptoativos, ao passo em que proibiu o uso de moedas não emitidas e regulamentadas pelo Estado.
No Brasil, está em vigor a Lei nº 14.478/22, que determina as diretrizes para a regulamentação da prestação de serviços de ativos virtuais (criptomoedas). A legislação disciplina as diretrizes a serem observadas na prestação de serviços de ativos virtuais e na regulamentação das prestadoras de serviços de ativos virtuais, alterando inclusive o Código Penal Brasileiro. Além disso, altera a Lei nº 7.492/86, que define crimes contra o sistema financeiro nacional; e inclui as prestadoras de serviços de ativos virtuais no rol de disposições sobre lavagem de dinheiro.
Em 2023, o Brasil também assinou uma declaração conjunta em que manifesta a intenção de incorporar as diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), promovendo um padrão de transparência fiscal em nível global para operações envolvendo criptomoedas, com a finalidade de que as autoridades fiscais nacionais possam compartilhar informações. A expectativa é de que a estrutura desenhada pela OCDE seja incorporada às legislações tributárias, de modo que os acordos de intercâmbio de informações entrem em vigor a partir de 2027.
Insights para Programas de RI na Criptoeconomia
Os profissionais de Relações com Investidores, por sua vez, podem desempenhar um papel estratégico e de alto valor agregado para o mercado de criptoativos, contribuindo para o engajamento de stakeholders, o cumprimento das regulamentações e a comunicação eficaz em um ambiente de mercado dinâmico e muitas vezes desafiador.
Na Criptoeconomia, em que a confiança é muitas vezes um fator crítico, a transparência é essencial, principalmente pela volatilidade dos ativos digitais e múltiplas expectativas dos investidores. Profissionais de RI ajudam as empresas a dialogar de forma clara e transparente suas operações, estratégias, desempenho e expectativas futuras aos investidores, assumindo um papel fundamental na gestão dessas expectativas ao fornecer informações fidedignas, ajudar os investidores a entender os riscos envolvidos, apresentar oportunidades de investimento e construir relacionamentos sólidos com a sociedade em geral.
De fato, criar e manter relacionamentos sólidos com a comunidade de investidores é imprescindível no mercado de criptoativos. Em situações de crise, como ataques cibernéticos, problemas técnicos ou flutuações significativas nos preços, a experiência dos profissionais de RI é essencial para gerenciar a comunicação e maximizar uma percepção justa sobre ativos virtuais pelos investidores.
À medida que a tecnologia de criptoativos cresce em importância, os riscos podem se potencializar, quer por interligações cada vez mais amplas entre criptoativos e o setor financeiro tradicional, quer por novas formas de risco financeiro e operacional para instituições financeiras, ou até mesmo por um crescimento da atividade fora do perímetro regulatório, atualmente minimamente existente e, também, pelos desafios nas novas formas de modelos de negócios, que incentivam a inovação sustentável dos criptoativos em prol da confiabilidade e integridade no sistema financeiro.
Nessa linha, vale destacar que a Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto), em parceria com a Deloitte e a KPMG, lançou seu Programa de Certificação de Conformidade. Dentro do programa, a primeira iniciativa está focada na certificação de conformidade com a autorregulação em Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Financiamento ao Terrorismo (PLD/FT). A ABCripto reitera que “à medida que inovação e regulação avançam, o diálogo entre participantes do mercado e Estado permitirá a cocriação de soluções que não imponham encargos desproporcionais às empresas; ao mesmo tempo, assegura níveis adequados de proteção a quem investe e ao Sistema Financeiro Nacional”.
Essa não foi a única medida da entidade que reúne as empresas do crescente ecossistema dos criptoativos e blockchain no país. A ABCripto apoiou o Marco Legal das Criptomoedas (Lei nº 14.478/22), para que o poder público construísse o arcabouço regulatório, criando um mercado mais responsável, transparente e inovador.
São também pontos importantes o acordo de cooperação técnica da ABCripto com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que tem o objetivo de desenvolver iniciativas de educação financeira, como campanhas e materiais educacionais sobre as novas tecnologias financeiras, em especial as finanças descentralizadas (DeFi) e outras aplicações relativas à criptoeconomia, blockchain e investimentos em ativos digitais; e o programa de assessoria para empresas obterem a licença de crowdfunding da CVM. A ideia é dar apoio às companhias interessadas em obter a licença, assessorando o processo de entrada até a autorização pela autarquia, maximizando a probabilidade de aprovação dos pedidos de registro.
Tendências, Desafios e Oportunidades para 2024
O ambiente complexo, dinâmico e desafiador do mercado de cripto ativos, reforçado pelo ritmo de crescimento observado nos últimos anos, assume uma importância ímpar na modernização de rotinas de RI, já que novas tecnologias têm o potencial de reformular as atividades que se desenvolvem habitualmente no setor financeiro tradicional.
O arcabouço tecnológico que sustenta esse ambiente de inovação descentralizada pode promover inúmeros benefícios, incluindo custos de transações mais baixos e maior interoperabilidade do sistema de pagamento, o que, sob a perspectiva de profissionais de RI, podem, por exemplo, agregar inovações sustentáveis aos instrumentos de governança e modernizar do grau de relato de companhias, desde que devidamente regulamentadas e bem compreendidas pelo mercado de capitais.
Observa-se que o expressivo crescimento na quantidade de investidores institucionais e de valores aplicados em cripto ativos evidencia que a alocação de recursos financeiros em ativos digitais já é uma realidade também no mercado financeiro brasileiro. Essa nova dinâmica exige que as áreas de RI adotem boas práticas que suportem tal decisão de investimento como parte de uma estratégia corporativa de adoção de tecnologias modernas e abertas, ou também como complemento de uma estratégia operacional a qual inclui a aceitação de ativos digitais como pagamento.
Atualmente há uma grande variedade de ativos digitais como opção à carteira de investidores, cada um com características e perspectivas únicas de referência de valor, decorrentes de diversas análises, entre as quais contábil, fiscal, de risco, de controle, legais, entre outras, o que torna a atuação dos profissionais de Relações com Investidores desafiadora neste segmento, especialmente no provimento de insumos para a gestão de risco e a preservação do capital de investidores em face da ausência de regulamentação.
Soba ótica macro ambiental, os profissionais de RI podem auxiliar na estruturação regulatória e no aprimoramento das estratégias de sua aplicação no mercado decapitais e em outros mercados. No microambiente, por sua vez, o principal papel pode ser, por meio de um moderno Programa de RI, tornar que o risco percebido pelo mercado seja o menor possível por meio de uma comunicação assertiva, universal e isonômica, administrando equity tokens, de acordo com critérios estabelecidos de geração de valor e liquidez.
A criptoeconomia é, sem dúvida, uma tendência global do mercado financeiro, um caminho disruptivo e possivelmente sem volta, o qual, associado a expectativas de alta rentabilidade e atrelada a determinados setores – como o segmento de games, moda e tecnologia– tem atraído exponencialmente o investidor.
Por isso, os criptoativos, um investimento global descorrelacionado diretamente das variáveis econômicas brasileiras, podem vir a ser, para o investidor doméstico, uma oportunidade singular, com a exposição a ativos com o propósito de diversificação internacional, mitigação de riscos na carteira de investimentos e o alcance de patamares substancialmente maiores de retorno ajustado ao risco e para o profissional de RI uma oportunidade de também assumir o protagonismo em um mercado cada vez mais responsável, transparente e inovador.