Derrota na Justiça pode impedir R$4 bi de geração de caixa da divisão de metais básicos da Vale, dizem fontes

Impacto é na divisão de metais básicos da mineradora, segundo fontes

Unsplash
Unsplash

Por: Machado da Costa

A Vale corre o risco de não tirar do papel uma operação com a qual pretende separar a unidade de metais básicos da companhia do restante de seus negócios – uma cisão, ou spin off, no termo em inglês, que poderia aumentar o valor da mineradora ao trazer um sócio estratégico e gerar ainda R$4 bilhões em caixa para o grupo.

Segundo apuração do Scoop, a Vale ainda não informou a seus investidores sobre o processo judicial que envolve esse assunto, como é de praxe a todas as companhias de capital aberto, que precisam avisar os riscos no radar por meio do Formulário de Referência. A companhia tampouco anunciou o revés aos acionistas por meio de comunicado ao mercado ou fato relevante.

O imbróglio se desenrola desde o final de janeiro, quando a mineradora perdeu uma batalha judicial que envolvia os direitos de exploração de uma área onde está instalada parte de suas operações da Mina de Sossego, em Canaã dos Carajás, no Pará, principal polo de extração de cobre da empresa.

Esta unidade, responsável pela produção de 100 mil toneladas de cobre anualmente, é vista como fundamental para que a empresa que a Vale pretende lançar após a cisão atinja R$13 bilhões em valor de mercado – um marco desejado pela administração da companhia para levar à frente o plano de separação da divisão de metais básicos, anunciado ao mercado em meados do ano passado.

Quem venceu a disputa – que durou oito anos — contra a Vale foi a GB Locadora, do empresário Claudio Luiz da Costa, que conquistou o direito minerário de uma área que corresponde a cerca de 3.770,10 hectares. Em 23 de janeiro, a Agência Nacional de Mineração publicou no Diário Oficial da União o alvará de pesquisa para que a GB desenvolva operações minerárias na área – a derrota na Justiça e a concessão da outorga à GB foram publicadas inicialmente pelo jornal O Estado de S. Paulo.

O problema é que esta região compreende parte das operações da Mina de Sossego, incluindo parte da barragem de rejeitos e a planta de beneficiamento da Vale. No início de fevereiro a GB notificou extrajudicialmente a Vale para que interrompa imediatamente o desenvolvimento das atividades em sua área – o que compreende o funcionamento da fábrica – e o lançamento de rejeitos na barragem.

As áreas de mineração não concedem direito de posse, e sim uma outorga da União para a exploração da área por um período determinado. É com base nessa premissa que a GB pede a interrupção das operações.

O polígono que delimita a área – veja no infográfico – está documentado no alvará N° 621/2023, concedido pelo gerente regional da ANM no Pará, Fábio Guilherme Louzada Martinelli, com validade de três anos.

De acordo com a notificação, à qual o Scoop obteve acesso, a GB exige que a Vale pare “imediatamente, de realizar todo e qualquer trabalho de pesquisa, além de novos aportes de rejeitos na barragem da Mina do Sossego, desenvolvimento ou lavra em suas operações”.

Em 23 de janeiro, quando o Scoop começou a investigar a história, a Vale informou que “não comenta ações judiciais em curso”, mas confirmou o seu envolvimento no processo. “Nesse caso, entretanto, cumpre-nos esclarecer que a ação judicial mencionada e a decisão publicada hoje (em 23 de janeiro) no Diário Oficial da União não têm nenhuma relação e não impactam a continuidade operacional da mina de Sossego pela Vale”, concluiu a mineradora em nota enviada ao Scoop.

Porém, segundo apuração da reportagem, a história não é bem essa. Na prática, a Vale não possui mais o respaldo da Justiça e da ANM de utilizar a planta ou a barragem. E segundo dois advogados especializados em direito minerário que conversaram com o Scoop em tese e sob a condição de anonimato, ao contrariar a decisão da Justiça, a Vale estaria fazendo o mesmo que ocupar e jogar lixo no quintal do vizinho. “A Vale está operando uma barragem sem alvará”, comentou um deles.

Segundo uma fonte ligada à mineradora, que falou ao Scoop sob a condição de anonimato, a empresa não irá interromper a operação na região “até que a Justiça assim determine”.

O Scoop voltou a questionar a Vale sobre a ausência de um alvará para operar em toda a área da barragem e quais seriam as consequências para a companhia caso houvesse um incidente no local. Pediu também os registros na ANM dos alvarás de lavra e funcionamento da planta. Perguntou também quais os impactos de uma interrupção das operações da Mina de Sossego para o spin off da companhia. A Vale ainda não respondeu a nenhum dos questionamentos.

Perto das 17h30, as ações ordinárias da Vale avançavam 0,36% na B3, cotadas a R$89,32. No ano, os papéis operam perto da estabilidade.

POSICIONAMENTO DA VALE

Após a publicação da matéria pelo Scoop, a Vale enviou um posicionamento no qual afirma que respondeu à notificação da GB e que a ação não impacta operacionalmente a exploração Mina de Sossego “tendo em vista que o Alvará de Pesquisa não atinge os depósitos do Complexo Sossego (PA), assegurados pelas Concessões de Lavra da Vale”.

A Vale informou também que a barragem do Sossego está licenciada, é periodicamente fiscalizada pela ANM, com Declaração de Condições de Estabilidade e monitoramento 24 horas por dia, 7 dias por semana, pelo Centro de Monitoramento Geotécnico.

Por fim, a Vale afirma que “as estruturas são pré-existentes ao Alvará de Pesquisa, estão localizadas em imóveis de posse da empresa, encontrando-se absolutamente regulares e autorizadas pela ANM”.

A Vale, contudo, não enviou os registros dos alvarás que permitem o funcionamento da barragem e da planta de beneficiamento, que são os pontos de discussão por parte da GB Locadora.