Por Reuters
A economia brasileira fechou o primeiro semestre do ano com um desempenho consideravelmente mais forte do que o inicialmente previsto, mas as receitas públicas caíram no período, destacando as incertezas em torno dos esforços para reequilibrar as contas públicas e manter novas regras fiscais de pé.
Na visão de economistas e integrantes do governo ouvidos pela Reuters, esse descasamento destaca o caráter desigual da tributação sobre os setores, turvando o cenário prospectivo para a arrecadação, cujo planejado aumento é um elemento crucial do plano do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de zerar o déficit primário no ano que vem.
Após a indústria extrativa ter ajudado o PIB (Produto Interno Bruto) do segundo trimestre a surpreender positivamente, na sequência de um robusto primeiro trimestre alavancado pela agricultura, a economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória, observou que esses setores são exportadores e estão sujeitos a impostos mais baixos.
O Brasil também está assistindo a uma diminuição substancial das importações, principal fator por trás de um superávit recorde para a balança comercial no acumulado do ano, o que tem afetado a arrecadação, já que no país a carga tributária sobre os produtos adquiridos de fora, de maneira geral, é alta.
“A gente não espera uma mudança nessa dinâmica, a arrecadação no segundo semestre vai continuar mais estagnada: o PIB que paga imposto não deve reagir, principalmente a indústria da transformação e o comércio,” afirmou Vitória, que apesar de ter melhorado a perspectiva para o crescimento da economia este ano a 2,8%, de 2,2% antes, vê um déficit primário maior ao fim do ano, de 1,1% do PIB, de 0,9% previsto anteriormente.
Em condição de anonimato, um integrante do Ministério da Fazenda reconheceu que grande parte do PIB mais forte neste ano será devido à agricultura, “que não paga impostos”. Ao mesmo tempo, a forte base de comparação com o ano passado cria ruídos que dificultam a análise interna do governo sobre o desempenho estrutural das receitas, acrescentou.
Uma segunda fonte da pasta lembrou que a arrecadação no Brasil é estruturalmente maior sobre o consumo, o que faz com que também reaja rapidamente à inflação, que no primeiro semestre desacelerou a 2,87%, quase metade dos 5,49% registrados nos primeiros seis meses de 2022.
A receita líquida do governo central sofreu uma queda de 5,3% de janeiro a junho, afetada pelo tombo expressivo na receita com concessões, que foi impulsionada no ano passado pela desestatização da Eletrobras e pela segunda rodada dos leilões de reservas de petróleo da cessão onerosa.
O governo também recolheu muito menos dividendos de empresas estatais, notadamente dos bancos públicos BNDES e Caixa Econômica Federal e da Petrobras, que teve resultados expressivos em 2022 em meio à escalada dos preços do petróleo.
De lá para cá, o preço da commodity também arrefeceu, ajudando a explicar as menores receitas com royalties de petróleo.
“A arrecadação de 2022 foi muito influenciada pelo preço do petróleo e pela inflação,” afirmou o economista-chefe da Warren, Felipe Salto. “A indústria, sim, será mais beneficiada à medida que avance o processo de redução dos juros, mas é preciso ter claro que a base de comparação do ano passado é muito alta.”
Após reconhecer que as receitas caíram drasticamente em julho, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o país estaria com “problema grave na economia” se o banco central não tivesse iniciado seu ciclo de flexibilização monetária em agosto.
O BC reduziu a taxa de juros em 0,5 ponto percentual para 13,25% e sinalizou mais cortes da mesma magnitude em suas próximas reuniões.
Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro e sócio fundador da gestora Oriz, afirmou que custos mais baixos de empréstimos podem ajudar notavelmente o futuro da indústria, mas ponderou que medidas de aumento de receita pelo governo podem acabar sendo contraproducentes.
“O problema não é que não estamos arrecadando muito,” afirmou ele, avaliando que a receita não está crescendo mais do que o PIB porque parece não estar contando mais com fatores que a impulsionaram nos últimos anos, incluindo preços mais altos de commodities e, na pandemia, um maior consumo de bens, que são mais tributados do que os serviços.
“O problema é que estamos gastando muito. E se, para sustentar esse gasto maior, quisermos cada vez arrecadar mais, a gente mata a galinha dos ovos de ouro, porque a nossa carga tributária já é altíssima.”