Por Reuters
Ao receber Nicolás Maduro em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abre caminho para uma reabilitação diplomática regional do líder da Venezuela após anos de exclusão, ao mesmo tempo em que contabiliza custos internos e externos por qualificar de “narrativa” as críticas que apontam autoritarismo de Caracas.
“Se eu quiser vencer uma batalha, eu preciso construir uma narrativa para destruir o meu potencial inimigo. Você sabe a narrativa que se construiu contra a Venezuela, de antidemocracia e do autoritarismo”, disse Lula, ao lado de Maduro, durante entrevista depois de reunião bilateral.
“Está nas suas mãos, companheiro, construir a sua narrativa e virar esse jogo para que a gente possa vencer definitivamente e a Venezuela volte a ser um país soberano, onde somente o seu povo, através de votação livre, diga quem é que vai governar aquele país”, acrescentou.
Lula sempre foi um defensor da retomada das relações com a Venezuela, rompidas por Jair Bolsonaro, e assim o fez ainda em janeiro, ao assumir a Presidência pela terceira vez. Ao chamar Maduro para a primeira reunião de presidentes da América do Sul em nove anos, Lula abriu caminho para que a Venezuela sente à mesa com os demais países, depois de anos de exclusão.
Ao receber o venezuelano no Itamaraty para um almoço, o presidente brasileiro disse aos jornalistas que os esperavam: “Quantas vezes vocês ouviram que Maduro é um homem mau?”, ao que o venezuelano respondeu: “Muitas e muitas vezes.”
A argumentação de Brasília para o movimento teve sempre dois vetores. O primeiro, pragmático. Com 2.199 quilômetros de fronteiras, Brasil e Venezuela dividem florestas, rios, cidadãos e uma série de crimes transfronteiriços que precisam de cooperação de um lado e outro.
O país vizinho ainda deve ao Brasil algumas centenas de milhões de dólares de contratos de cooperação passados, que Caracas agora sinaliza que pode voltar a pagar.
Questões práticas como essas são apontadas pelo governo brasileiro como centrais para a necessidade de haver uma boa relação entre os dois países, mas não só. Os formuladores da atual política externa brasileira também argumentam que sanções, como as dos Estados Unidos — que Lula voltou a criticar como “extremamente exageradas” –, são contraprodutivas e fazem sofrer os mais pobres. Argumentam ainda que o petista tem a chance de influenciar positivamente Maduro. O governo norte-americano não respondeu imediatamente um pedido de comentário feito pela Reuters.
As declarações de Lula desta segunda, no entanto, não foram vistas nesta chave. Houve a esperada reação negativa da oposição de direita ao governo Lula e da oposição a Maduro na Venezuela, e analistas como Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getulio Vargas, avaliaram que o presidente pode ter ido “longe demais”.
“Lula vai longe demais ao elogiar o líder venezuelano e defender sua legitimidade democrática. Desnecessário e divisivo”, afirmou Stuenkel.
“Restabelecer as relações diplomáticas com a Venezuela é um movimento pragmático. Chamar de absurdo quem questiona a legitimidade democrática de Maduro pode agradar a extrema esquerda, mas certamente vai irritar os centristas”, escreveu o professor em seu Twitter.
Um dos maiores influencers do Brasil e apoiador de Lula, Felipe Neto — que poderia ser um dos “centristas” a que Stuenkel se refere — usou seu Twitter com 16,3 milhões de seguidores para criticar o presidente, que deu “um voto de confiança” a quem ataca os direitos humanos.
“Lula deu um tiro no pé da própria imagem, enchendo a extrema direita de munição para metralhar a percepção pública de seu governo durante bastante tempo”, escreveu.
O tema Venezuela há muito não é só da política externa. É doméstico, com Jair Bolsonaro dizendo que a esquerda brasileira pretende transformar o país no caos vizinho.
É uma operação que não ocorre só no Brasil. Por isso ao afagar Maduro tão efusivamente Lula também se arrisca a deixar desconfortáveis nesta terça em Brasília, quando tenta relançar sua aposta diplomática regional, líderes como o esquerdista Gabriel Boric, que construiu sua vitória no Chile criticando sem tergiversações Caracas e Havana, e nomes à direita como o uruguaio Luis Alberto Lacalle Pou.