Por Marcio Aith
A Lei de Responsabilidade Fiscal foi desmoralizada, disse o economista Armínio Fraga em entrevista exclusiva ao Faria Lima Journal (FLJ) nesta segunda-feira (24).
De acordo com Fraga, o regime de metas de inflação, que foi criado por ele na época em que presidia o Banco Central (1999-2003), “permanece válido, ainda que, em certos aspectos, siga mal-entendido”.
“Prova disso é que sobreviveu a inúmeros testes de estresse práticos, salvo pelo colapso fiscal de 2015-16 e o momento que vivemos hoje, uma real ameaça. A Lei de Responsabilidade Fiscal e o Teto de Gastos foram desmoralizados, o que põe pressão nas taxas de juro e de câmbio”, disse Fraga.
Nascido em 20 de julho de 1957, Armínio Fraga Neto é um dos mais renomados economistas mundiais. Foi presidente do Banco Central do Brasil entre 1999 e 2003, assumindo o cargo com objetivo de salvar a desvalorização do real durante a crise russa de 1999. Em sua gestão, Fraga adotou o regime de metas de inflação e câmbio flutuante, inovações que o governo Lula tem feito enorme esforço para abolir. Depois de 24 anos da implantação do regime e inflação, Armínio diz que o sistema continua fundamentado, embora requeira mudanças.
Veja a entrevista com Armínio Fraga completa:
Marcio Aith -Você faria alguma mudança no regime de metas para a inflação adotado em junho de 1999?
Armínio Fraga– Penso que, no geral, permanece válido, ainda que, em certos aspectos, siga mal-entendido. Prova disso é que sobreviveu a inúmeros testes de estresse práticos, até recentemente sempre em parceria com a responsabilidade fiscal, salvo pelo colapso fiscal de 2015-16 e o momento que vivemos hoje, uma real ameaça. A Lei de Responsabilidade Fiscal e o Teto de Gastos foram desmoralizados, o que aumenta o risco no sistema e põe pressão nas taxas de juro e de câmbio.
Marcio Aith – Isso quer dizer que o BC e a Fazenda não estão se entendendo?
Armínio Fraga -O sistema de metas foi desenhado para alinhar as ações de ambos, de forma a atingir a meta de inflação. O governo (através da Fazenda e do Planejamento) define a meta e dá ao BC a autonomia operacional para atingir essa meta. Num momento como o atual, em que o BC está claramente pressionado, caberia às autoridades fiscais dar uma ajuda demonstrando que a situação fiscal está sob controle. A regra apresentada representa uma evolução positiva após meses de retórica virulenta quanto ao equilíbrio fiscal. Mas é insuficiente e deixou de lado o controle do gasto público, ferramenta consagrada internacionalmente em situações como a nossa. A lei dá ao BC espaço para amortecer as flutuações da atividade econômica (nas duas direções), mas a convergência para a meta e a solvência do Estado têm de estar garantidos.
Marcio Aith – O que mais? Ajudaria mirar em um núcleo ao invés do IPCA cheio? E os preços administrados?
Armínio Fraga- Sempre fui contra excluir. Como as pessoas insistem em andar de ônibus e comer, não vejo como não incluir. As pessoas reclamariam, com toda razão. A variância de inflação que esses itens trazem, o BC administra sem problemas. Os núcleos, o BC usa para entender melhor a tendência, nada mais. Os administrados são um fator de inércia, posto que tipicamente seguem fórmulas que repõem o passado, algo que o BC também incorpora às suas decisões.
Marcio Aith– Você está falando de usar a banda de tolerância e o prazo de ajuste?
Armínio Fraga- O BC vive lidando com choques de demanda (os mais fáceis) e oferta (os mais chatos, pois aumentam a inflação e ao mesmo tempo prejudicam a atividade). Em tese, a resposta a cada choque ou conjunto de choques deveria ocorrer em prazo proporcional ao tamanho e à persistência do problema e à tolerância da sociedade com desvios da meta e flutuações da atividade. Um choque nos preços de alimentos causado por questões climáticas merece resposta mais branda do que uma situação de excesso de demanda generalizada na economia.
Marcio Aith– E as bandas?
Armínio Fraga – As bandas sinalizam o grau de tolerância com desvios da meta (ou seja o grau de desconforto com desvios da meta e flutuações do emprego) e servem também para definir um limite que, ultrapassado, demanda uma carta pública do presidente do BC ao Ministro da Fazenda com explicações.
Marcio Aith – E o ano calendário? Não seria o caso de abandonar?
Armínio Fraga- Uma vez que se atinja a inflação desejada para o longo prazo, o ano calendário serve apenas para disparar a carta. Estando acima (ou abaixo!) da meta, serve para sinalizar o prazo desejado para a convergência. Com a política monetária não age instantaneamente, com frequência a meta do ano calendário raramente é cumprida no final do ano. O que importa é que na média a meta seja atingida.
Marcio Aith- Onde complica?
Armínio Fraga– Já mencionei choques de oferta. Outra área complicada ocorre na pororoca entre temas da economia real (inflação e atividade) e do mundo das finanças (alavancagem no sistema, incerteza extrema, por exemplo). Não vejo ainda uma doutrina de consenso aqui, mas não dá para ignorar. Veja, por exemplo, as consequências ainda não totalmente claras de anos de dinheiro de graça nas economias avançadas. Ou a oferta de crédito em várias partes do mundo, inclusive aqui.