Por Sheyla Santos e Machado da Costa
Começa a dominar os corredores do Ministério da Fazenda o discurso de que se o governo não conseguir cassar uma série de benefícios tributários “faltará dinheiro para tudo” – um reforço à narrativa adotada pela gestão atual, de que é preciso arrecadar mais para cumprir objetivos.
Para atingir um plano ambicioso de arrecadação federal e sustentar o novo arcabouço fiscal, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), tem recebido parlamentares e falado à imprensa, quase diariamente, criticando benefícios que, em sua visão, não contribuem com o país e são apenas privilégios individuais.
Daí a ideia de expor “CNPJ por CNPJ” nos próximos 15 dias, como Haddad afirmou em entrevista ao Estadão. A ideia é constranger grandes conglomerados que receberam benefícios no passado para ganhar a opinião pública. É uma mudança importante na forma como Haddad vinha trabalhando o tema.
O ministro havia feito uma série de anúncios e prometido vários outros no campo da Receita Federal, com o intuito de evitar uma restrição orçamentária na área social – algo que, se acontecer, irá consolidar uma batalha política com integrantes da base governista.
Depois do primeiro desgaste, com idas e vindas do texto do novo marco fiscal, que sofreu alterações antes de finalmente ser enviado ao Congresso, e o recuo público na tentativa de taxação de e-commerces chineses, Haddad teve que renunciar a uma arrecadação de R$8 bilhões.
O ministro também briga para cortar subvenções de custeio dadas por governos estaduais no âmbito do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), pois isso reduz a base de cálculo do Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Com essas medidas, ele espera obter R$90 bilhões.
Segundo a Receita Federal, a missão de olhar “CNPJ por CNPJ” ficará a cargo do Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP). Desta vez, coube ao braço vinculado ao Ministério do Planejamento e Orçamento a responsabilidade de fazer um pente-fino no vespeiro dos benefícios fiscais concedidos pelo governo e definir quais são efetivos e devem ser mantidos, e quais deveriam ser cortados.
Como em Brasília o dinheiro não caminha sem a articulação política, Haddad tratou de reunir em seu gabinete nesta terça-feira um grupo de senadores, líderes de comissões no Congresso, em busca de apoio à ideia. Segundo um presente no encontro, participaram da conversa os senadores Paulo Paim (PT), Vanderlan Cardoso (PSD), Flávio Arns (PSB), Confúcio Moura (MDB), Sérgio Petecão (PSD), e Humberto Costa (PT).
Com a narrativa reforçada, focalizando na insustentabilidade de programas sociais e culpabilizando empresários gananciosos, Haddad espera conquistar apoio político no Congresso – afinal, quem defenderá o empresário privilegiado pelo Fisco?
Aí começam os problemas. Os bancos são os maiores usuários de um dos benefícios criticados por Haddad, a dedução tributária permitida pelo instrumento de Juros sobre Capital Próprio. São os bancos, por outro lado, os maiores entusiastas da Reforma Tributária e do arcabouço fiscal.
Grandes varejistas, por outro lado, são as grandes usuárias das deduções fiscais criadas por créditos de ICMS. São as mesmas empresas que pediram a taxação direta da Shein e de outros e-commerces chineses e que viram a promessa virar pó. Essas varejistas, que têm como controladores membros próximos de Lula, devem, inclusive, integrar o Conselhão.
Assim, Haddad, ao expor “CNPJ por CNPJ” com o objetivo de constrangê-los perante a opinião pública, corre o risco de deixar seus aliados na chuva.