Por Reuters
Quando um economista britânico cunhou o acrônimo Bric, há duas décadas, para designar Brasil, Rússia, Índia e China, não tinha em mente uma aliança que buscaria desafiar o domínio ocidental nos assuntos globais.
Jim O’Neill, então banqueiro do Goldman Sachs, escrevia sobre oportunidades de investimento em países que se tornariam importantes mercados emergentes do mundo.
Os países do Bric começaram a reunir-se formalmente em 2014 para melhorar a cooperação econômica e adicionaram a África do Sul em 2010 para se tornarem Brics. O bloco parece agora ter ambições geopolíticas mais elevadas.
Numa decisão surpreendente em reunião de cúpula esta semana em Johanesburgo, o grupo convidou Arábia Saudita, Irã, Etiópia, Egito, Argentina e Emirados Árabes Unidos para o bloco.
A medida visa aumentar a influência do Brics como defensor das chamadas nações do Sul Global, muitas das quais se sentem tratadas injustamente por instituições internacionais dominadas pelos Estados Unidos e outros países ocidentais ricos.
Mas a expansão provavelmente significará mais divergências num grupo que já tem dificuldades para tomar decisões devido à necessidade de consenso. Até mesmo uma declaração conjunta sobre expansão ficou presa em negociações de última hora na quarta-feira sobre os critérios para admissão de novos membros.
“Definitivamente será um problema se eles fizerem tudo por consenso. É preciso mudar o modelo… para votação de maioria”, disse Patrick Lukusa, especialista em cooperação internacional na Universidade de Witwatersrand, em Johanesburgo.
“Já existem diferenças entre os cinco sobre moeda comum. O que acontece se você tiver mais 10?”
“POLARIZAÇÃO POLÍTICA”
As promessas dos líderes do Brics de defender os interesses dos países não ocidentais fazem parte de uma mudança gradual de ênfase do grupo, da economia para a geopolítica.
“Não se engane: não se trata apenas de comércio. Trata-se da fragmentação e da polarização política que estamos vendo no mundo”, disse Daniel Silke, diretor da consultoria Political Futures, com sede na África do Sul, observando que a China citou ameaças de uma nova Guerra Fria com Washington como motivo para expansão.
No entanto, as nações do Brics têm um longo caminho a percorrer para se transformar em uma organização global unificada que possa desafiar o domínio ocidental sobre organismos internacionais como as Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional ou o Banco Mundial.
China e Índia estão frequentemente em desacordo. Nova Dhéli é mais amigável com o Ocidente e possui acordos militares com os Estados Unidos, enquanto está em conflito por vezes violento com Pequim sobre a fronteira no Himalaia.
Para o presidente russo, Vladimir Putin, o bloco é um fórum para atacar o Ocidente, que tem procurado isolar Moscou devido à invasão da Ucrânia. Num discurso por videoconferência na quinta-feira, ele mirou nas potências ocidentais cujo “neoliberalismo”, segundo ele, ameaça o surgimento de um mundo multipolar em que nenhum país ou bloco domine.
Suas falas pareciam contradizer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que disse numa transmissão nas redes sociais na terça-feira que o Brics não foi concebido para ser um contraponto ao G7, ao G20 ou aos Estados Unidos.
Lula também reiterou na cúpula a posição do Brasil de “defender a soberania (e) a integridade territorial” dos países – um aparente ataque à Rússia por sua invasão da Ucrânia.
E reiterou a ideia de uma moeda comum para o comércio e o investimento entre as nações do Brics, algo que outros membros não estão interessados, embora partilhem o desejo de reduzir a sua dependência do dólar.
ENTUSIASMO ASPIRACIONAL
A estrutura para que o Brics se torne mais parecido com uma organização atual está “em processo de construção, mas ainda há um longo caminho a percorrer”, disse Tom Lodge, professor de estudos sobre paz e conflitos na Universidade de Limerick.
O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), criado pelo Brics em 2015 como alternativa ao FMI e ao Banco Mundial, prometeu aumentar os empréstimos em moedas locais como forma de reduzir a vulnerabilidade dos membros às flutuações da taxa de câmbio do dólar. Mas dos quase 33 bilhões de dólares em empréstimos aprovados pelo NDB, dois terços foram em dólares, mostrou uma apresentação aos investidores em abril.
“Grande parte do entusiasmo sobre o Brics é aspiracional”, disse Lodge. “(Se) eles querem um reequilíbrio do poder econômico e das instituições de crédito não controladas pelos países ocidentais, o Brics alcançou francamente muito pouco em direção a esse objetivo.”
A adição de petroestados ricos ao Brics poderá trazer a liquidez tão necessária para instituições como o NDB, disse Gustavo de Carvalho, pesquisador sênior do Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais.
“É muito cedo para dizer se o Brics será formado numa aliança”, disse Carvalho, observando que os atuais membros do Brics muitas vezes não votam da mesma forma nas Nações Unidas. “Se isso não for bem pensado… os riscos de ficar muito diluído como um G7 menor são muito altos.”