Por: Gabriel Ponte
As autoridades do Federal Reserve lidam com um cenário conflitante como base para sua próxima decisão de juros: de um lado, um mercado de trabalho que segue aquecido nos Estados Unidos. De outro, uma série de dados que indica esfriamento da atividade e um quadro financeiro incerto após a turbulência bancária de março.
Até a próxima reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC), no início de maio, as autoridades do Fed já pontuaram que construirão seu embasamento de voto por meio dos próximos dados econômicos a serem reportados. Dentre os números mais aguardados, a geração líquida de empregos nos EUA de março avançou em ritmo firme, a 236 mil, levemente abaixo do consenso Mover, de 239 mil. Os dados foram reportados na última sexta-feira pelo Departamento do Trabalho.
Os números do Payroll abriram caminho para que o FOMC eleve a taxa-alvo Fed Funds em 25 pontos-base, para o intervalo entre 5,0% e 5,25%. Na tarde desta segunda-feira, derivativos negociados na Chicago Mercantile Exchange projetavam 69,7% de chance de se consolidar essa alta dos juros. As apostas de manutenção dos juros estavam em 30,3%. Para efeitos de comparação, até quinta-feira, 6, as apostas estavam equilibradas.
A inflação persistente nos EUA também pesa como justificativa para um novo ajuste. O consenso Mover prevê que o núcleo do Índice de Preços ao Consumidor avance a 5,6% na comparação anual em março, ante 5,5% em fevereiro. Na base mensal, o núcleo do CPI deve desacelerar para 0,4% em março, ante 0,5% em fevereiro. O Fed persegue uma meta média de 2,0%. Os dados serão divulgados pelo Departamento do Trabalho na quarta-feira.
Mas já há sinais de esfriamento na economia. Dados do Payroll mostraram que os reajustes salariais, em termos anuais, avançaram no menor ritmo desde junho de 2021, a 4,2%. Também na semana passada, dados da ADP revelaram que o setor privado dos EUA criou 145 mil empregos em março, abaixo do consenso Mover, que previa abertura de 200 mil postos. Também em março, o número de vagas de emprego abertas nos EUA para cada desempregado recuou ao menor nível em quase dois anos, a 1,7, segundo o relatório Jolts.
Contribui ainda mais para turvar o cenário de decisão das autoridades do Fed a recente turbulência bancária presenciada nos EUA e na Europa, que culminou com a falência de dois bancos regionais americanos e a aquisição do Credit Suisse pelo UBS.
Os desdobramentos dos episódios financeiros estiveram no centro das discussões do FOMC até o último momento de seu mais recente encontro decisório em março. De acordo com o Wall Street Journal, os membros do comitê tomaram a decisão de juros apenas na segunda-feira, 20 de março, diante de uma reação positiva dos mercados acionários à aquisição forçada do CS pelo UBS.
O aperto de 25 pontos-base em março também foi uma movimentação que pode dar ao banco central mais flexibilidade para abrir mão de uma alta adicional em maio, caso perceba evidências de uma condição de crédito mais apertada na economia local.
Ainda que o risco de uma crise financeira sistêmica global pareça ter se dissipado, o assunto ainda desperta temores diante de seu caráter recessivo e deflacionário. Os rendimentos dos títulos do Tesouro americano de dois anos – que estão entre os papéis mais sensíveis à política monetária – chegaram a registrar a maior queda semanal desde 2001 em março, com investidores buscando refúgio em títulos públicos de curto prazo após a turbulência bancária nos mercados globais.
O presidente do Fed, Jerome Powell, reconheceu na coletiva de imprensa que se seguiu à decisão do FOMC que um eventual aperto de crédito pode reproduzir os mesmos efeitos sobre as condições financeiras quanto um aumento de juros de 0,25 ponto percentual. “Isso significa que a política monetária pode ter menos trabalho a fazer, mas nós simplesmente não sabemos”, explicou.
Diante de uma série de dados conflitantes, os mercados acionários começaram a reproduzir a onda de pessimismo dos investidores. Em uma semana encurtada pelo feriado de Páscoa, os índices S&P500 e Nasdaq 100 perderam 0,10% e 0,90%, respectivamente, na semana passada. O Dow Jones, na ponta oposta, avançou 0,63%, beneficiado pela migração de investidores para papéis de setores defensivos.