Por Patrícia Vilas Boas
A tragédia Yanomami representa, para além de uma crise humanitária, uma crise de reputação no Brasil. Os investidores domésticos e do exterior estão alinhados aos princípios sociais, ambientais e de governança (conhecidos pela sigla em inglês ESG). Por essa razão, o garimpo ilegal, o desmatamento e a incompetência fiscalizatória do governo colocam em xeque os investimentos no Brasil.
“O Brasil tem falhado em atender a essa procura, principalmente no que diz respeito ao investidor estrangeiro”, disse Hudson Bessa, professor de Estratégias Financeiras e Finanças Corporativas na Faculdade FIPECAFI. “Existe uma demanda muito grande atualmente por investimentos ESG.”
Como o Brasil registrou em 2022 um fluxo de investimentos estrangeiros recorde, de R$119,8 bilhões, de acordo com dados da B3, existiria, segundo Bessa, a ilusão de que o Brasil continuaria recebendo o mesmo volume de recursos mesmo se mantiver o desrespeito aos padrões ESG.
Bessa explica que o investidor estrangeiro demora mais tempo para receber informações sobre, por exemplo, um desastre ambiental, do que o investidor local. Esses alertas seriam notados “mais tardiamente” pelo investidor gringo em comparação com o doméstico, que consegue acompanhar com maior proximidade o comprometimento de empresas e do governo com os princípios ESG.
O problema, no entanto, pesa mais para o lado dos emissores domésticos, que são pessoas jurídicas ou o próprio governo, que, ao não proteger a população das condições ambientais, pagam mais caro ao emitir títulos. Isso porque, quanto menor a procura por esses papéis, maiores os juros que os emissores precisam colocar no mercado. Seria, segundo ele, “um público a menos” para investir nos ativos brasileiros.
“Se eu tiver menos gente querendo comprar uma debênture, um papel de renda fixa, eu vou ter que pagar uma taxa mais alta”, disse Bessa. “Obviamente, se eu tenho menos pessoas comprando as minhas ações, elas se valorizam menos.” Para o economista, tais crises também prejudicam a Bolsa de Valores brasileira, assim como a taxa básica de juros Selic, que, por vezes, precisa ser elevada para atrair investimentos em fuga.
A terra indígena Yanomami se estabelece na Floresta Amazônica na fronteira entre o Brasil e a Venezuela. O desmatamento e garimpo de ouro ilegal nessas terras indígenas foram denunciados no relatório “Yanomami sob Ataque”, divulgado em abril do ano passado pela Hutukara Associação Yanomami, com dados de 2021. De acordo com o documento, a partir de 2016, a curva de destruição do garimpo assumiu uma trajetória ascendente e, desde então, tem acumulado taxas cada vez maiores. Nos cálculos da plataforma, de 2016 a 2020 o garimpo na terra indígena Yanomami cresceu 3.350%.
Na semana passada, o Ministério Público Federal (MPF) cumpriu três mandados de prisão e 27 de busca e apreensão nos distritos de Belém, Santarém, Itaituba, Rio de Janeiro, Brasília, Goiânia, Manaus, São Paulo, Tatuí, Campinas, Sinop e Boa Vista, no âmbito da Operação Sisaque, que visa desmontar uma organização de contrabando de ouro extraído de garimpos ilegais da região amazônica.
As empresas investigadas pela operação são a Pena e Melo Comércio e Exportação Ltda (Pemex) e a Amazônia Comércio e Exportação Ltda. De acordo com o Uol, a defesa dos proprietários da Pemex nega ilegalidade na origem do ouro que comercializa. “São áreas garimpáveis e autorizadas”, disse o advogado.
Para reforçar o envio de assistência à terra indígena, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que parte da verba do Fundo Amazônia, liberada após a sua eleição, será revertida para uso emergencial no apoio ao povo Yanomami. Na semana passada, o presidente norte-americano, Joe Biden, em reunião com sua contraparte brasileira, também anunciou formalmente que os Estados Unidos têm interesse em apoiar o Fundo Amazônia.