"Com boa vontade, inflação vai para a meta só em 2024", diz Schwartsman

Rever meta de inflação elevaria os preços no país, o que levaria a Selic a subir ainda mais, segundo o ex-diretor do Banco Central

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Por Stéfanie Rigamonti e Patrícia Lara

A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo deve saltar até a metade do ano, disse em entrevista exclusiva à Mover o economista e ex-diretor do Banco Central, Alexandre Schwartsman. “A inflação registrou três meses de queda em cima daquelas medidas artificiais de contenção de preços dos combustíveis. Quando isso sair da conta, vai lá para cima”, afirmou.

Para Schwartsman, uma revisão da meta de inflação elevaria os preços no país, o que faria com que o Banco Central tivesse que subir ainda mais a taxa básica Selic, com impactos diretos sobre a capacidade de crescimento econômico do país. O governo “pode fazer tudo: subir meta, ignorar a inflação. Só não pode ignorar as consequências”, comentou.

O economista disse que, mesmo que a taxa de juros se mantenha no atual patamar, de 13,75% – o que deve ser chancelado na decisão do Comitê de Política Monetária do BC hoje – a inflação não deve convergir para a meta neste ano. “Com boa vontade, fica na meta em 2024”, declarou.

Confira a seguir a íntegra dos principais pontos das falas de Alexandre Schwartsman.

META DE INFLAÇÃO

A ideia de uma meta mais alta de inflação como solução estrutural para as finanças públicas é fundamentalmente equivocada. Boa parte do gasto público é indexada à inflação e, nesse sentido, não faz muita diferença ter 3%, 3,25%, 4% ou 10% de meta porque o reajuste dessas despesas vai acontecer em linha com a inflação. Portanto, não há nenhum ganho nisso. Outro argumento usado, que não é verdade, é que você consegue mudar a meta sem criar repercussão no restante da economia, facilitando o trabalho do Banco Central de cortar juros.O conjunto da sociedade não fica passiva à fixação de uma meta de inflação mais alta. Quando se aumenta a meta, a inflação corrente aumenta e o BC tem que subir os juros, mais do que a inflação, o que se chama de princípio de Taylor. Se a inflação esperada subiu um ponto, o BC tem que subir um ponto e mais alguma coisa. Elevar a meta de inflação tem efeito contrário, leva à aceleração da inflação no horizonte relevante do Banco Central, que tem que reagir isso. É um baita tiro no pé.

COPOM

O Copom deve manter a Selic em 13,75%. Mas a comunicação deveria mudar dada a alteração do balanço de riscos. Desde a última reunião, a trajetória das expectativas de inflação se deslocou 0,50 ponto percentual para cima, considerando 2024. E o horizonte relevante do BC deve estar no terceiro trimestre de 2024. A piora das projeções não foi pequena, mesmo com os modelos já incorporando a ideia de que a Selic ficará parada por mais tempo do que o originalmente projetado. E houve uma alteração enorme de política fiscal. O Novo Orçamento foi muito além do que simplesmente incorporar o Auxílio Brasil. Se for considerar o Orçamento no valor de face, o déficit é de 2,3 pontos percentuais do PIB, ante um superávit do governo federal da ordem de 0,5 ponto percentual do PIB, o que se traduz em impulso fiscal de quase 3 pontos percentuais do PIB. Ainda que não se acredite que o impulso seja dessa magnitude, a expansão fiscal tem um enorme efeito sobre a inflação. O BC teria que reagir a isso de alguma forma. Ele pode escolher esperar até a definição do arcabouço fiscal, o que seria um desperdício de tempo.

COMPLACÊNCIA COM INFLAÇÃO

A pergunta é: com essa taxa de juros, a inflação fica ou não na meta? E a resposta é que não, com a atual taxa de juros, a inflação não fica na meta em 2023. Com boa vontade, fica na meta em 2024, se estivermos dispostos a ignorar o estímulo fiscal que estamos colocando na economia. Do ponto de vista de formulação de política monetária, a fala do Haddad [sobre a relação entre a atual taxa de juros e o acumulado da inflação em 2022] está errada. Tem um erro ainda mais grave. Ele é ministro da Fazenda e quem define política monetária é o presidente do Banco Central, que tem autonomia para isso porque tem uma lei. Ele pode pensar sobre juros e pode até tomar medidas para baixar os juros. E a grande verdade é que está à altura do Ministério da Fazenda tomar medidas para baixar os juros, ou seja, reduzir o déficit público. Mas dizemos o oposto. Tivemos o maior impulso fiscal em tempos de paz da história. Se você joga mais demanda de um lado, tem que ter compensação de outro se você quer alcançar a meta. A gente já teve essa discussão em 2013, 2014. Fomos deixando a inflação ficar acima da meta e, quando o negócio explodiu, o BC teve que fazer um baita aumento de juros, para cima de 14%. Então você pode fazer tudo: subir meta, ignorar a inflação. Você só não pode ignorar as consequências.

RECUPERAÇÃO DOS MERCADOS LOCAIS

O que está por trás disso é uma situação na qual a inflação global deu uma acalmada. A gente está vendo que a Europa aparentemente escapou da recessão. Se esperava uma queda de 0,1% do PIB europeu no quarto trimestre [de 2022], e veio um crescimento de 0,1%. E de maneira geral tem havido notícias positivas. O preço do gás na Europa acalmou, a China abandonou a política de lockdown… uma série de coisas que sugerem que a economia vai ter um desempenho um pouco melhor. As commodities vão subir e a bolsa brasileira é muito ligada a commodities. Isso acaba alimentando o apetite por tomar um pouco mais de risco. Mas os fundamentos são muito ruins. A curva de juros se acomodou recentemente, mas ela havia piorado um bocado. E tem espaço para mais piora. Por tudo o que eu falei, eu acho que tem espaço para mexer na meta de inflação. Uma pessoa minimamente razoável não faz isso, mas como sempre tem economista disposto a assinar embaixo de coisa maluca, de repente se faz uma bobagem dessas. E aí a gente vai ver a curva de juros andar muito.

VALORIZAÇÃO CAMBIAL À VISTA

Tem expectativa de valorização do real, um pouco por commodities e um pouco porque o dólar está em um processo de enfraquecimento global, e é meio dentro dessa melhora de perspectiva. Se pegar os últimos dois, três meses, pensando mais em novembro, dezembro, tiveram notícias realmente melhores no front externo. E o dólar perdeu força. Então, quando o dólar se desvaloriza internacionalmente, ele se desvaloriza aqui. Mas ter uma perspectiva de valorização não é a mesma coisa que ter uma valorização. Então, é no mínimo uma base frágil para você ancorar sua política [econômica] no câmbio. Então pensar, “o Banco Central vai reduzir sua taxa de juros, porque tem uma expectativa de valorização do real frente ao dólar”. Você está querendo que o Banco Central opere? Não é assim que o Banco Central toma decisões. A inflação 12 meses vai dar um salto em meados do ano. Eu sei disso porque a inflação registrou três meses de queda em cima daquelas medidas artificiais de contenção de preços dos combustíveis, quando isso sair da conta, vai lá para cima. Então, a gente olha a projeção da inflação para este ano e está perto de 6%. Provavelmente vai chegar ali nos 6%, talvez um pouco acima disso.

HADDAD E LULA

Quem manda nesse negócio é Luiz Inácio Lula da Silva. Haddad está lá para operacionalizar o que o Lula definiu. A gente tem que ficar de olho nas decisões do presidente, porque Haddad vai fazer o que o Lula quiser e não vai se opor. É diferente do que a gente tinha, por exemplo, com o Palocci, alguém que tinha uma estatura, um comando. E tinha também uma equipe em torno dele com capacidade para olhar e falar: “isso aqui não vai funcionar, olha as consequências”. Tinha gente que sabia as consequências. Tinha o Marcos Lisboa, tinha o Bernard Appy, que ainda está lá para cuidar da reforma tributária, que é uma coisa boa. Tinha o Joaquim [Levy], o Otaviano [Canuto]. Então, tinha gente com condições de avisar se ia dar problema e Palocci falava com o presidente e a coisa não prosperava. Falta gente em torno de Fernando Haddad.