Por: Luciano Costa
A Agência Nacional de Energia Elétrica voltou a discutir possíveis mudanças na forma de pagamento e no valor de indenizações bilionárias prometidas a empresas do setor em 2012, como parte de um pacote de medidas da então presidente Dilma Rousseff (PT) para baixar as contas de luz, o que tem causado preocupações em companhias incluindo a Eletrobras (ELET3) a Isa Cteep, disseram quatro fontes à Mover.
As compensações – conhecidas pela sigla “RBSE”, de Rede Básica do Sistema Existente – são devidas pela renovação antecipada de concessões de transmissão de energia, e deveriam ter sido quitadas em oito anos a partir de 2016, conforme aprovado nos últimos dias da gestão Dilma. Porém, decisões judiciais interromperam parte do fluxo de receitas, e uma associação está questionando junto à Aneel os valores e seu repasse às contas de luz, gerando temores de um corte no fluxo de pagamento às elétricas, disseram as fontes, que falaram sob condição de anonimato.
Atualmente, os consumidores pagam parte dessas indenizações por meio das tarifas. Preocupada com os impactos na conta de luz, a Aneel tem sinalizado que poderia recalcular o valor devido às empresas de energia, ou rever o cronograma de pagamento, hipóteses que segundo representantes de empresas do setor poderiam gerar uma disputa judicial e até repercutir negativamente na atração de investidores para novos projetos de transmissão que o governo pretende licitar neste ano.
“As empresas estão indignadas. Esse processo já estava encerrado e a Aneel está agora querendo rever a decisão”, disse uma fonte envolvida nas discussões, lembrando ainda que o fluxo de pagamentos às empresas já havia sido reduzido pela agência em 2020 e 2021, e prorrogado até 2028, para aliviar aumentos tarifários em meio à pandemia. “Isso pode gerar uma judicialização sem precedentes”.
Procuradas, Eletrobras e Isa Cteep não comentaram. A Aneel também não respondeu aos questionamentos da Mover.
A Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace), que entrou com recurso na Aneel questionando o repasse das indenizações às contas de luz e o valor destas, defende ter encontrado “erros de origem” no cálculo dos montantes serem pagos às elétricas, que totalizam mais de R$60 bilhões, a maior parte para subsidiárias da Eletrobras e a Isa Cteep.
“São três problemas nas contas. Se eles forem corrigidos, dá uma diferença da ordem de R$9 bilhões a menos”, explicou à Mover o diretor de Energia da associação, Victor Hugo Iocca.
“Isso afetaria nove empresas. A principal é Eletrobras, depois Cteep, e com impacto um pouco menor Copel, Cemig, EDP Brasil e CPFL”, disse uma terceira fonte, sem especificar os efeitos específicos sobre cada empresa. Procuradas, Copel, Cemig, EDP e CPFL não comentaram.
A situação gera desconforto entre investidores porque a Eletrobras foi privatizada levando em conta essas receitas, e porque EDP e CPFL realizaram recentemente as aquisições da CEEE-T e da Celg-T, que tinham valores a receber de RBSE, acrescentou a fonte.
Além de possíveis questionamentos judiciais, uma decisão da Aneel que revisitasse antigas deliberações sobre o tema poderia gerar descontentamento tão grande entre investidores que arriscaria prejudicar o apetite por leilões de novos projetos de transmissão neste ano, disseram as fontes.
“Isso gera um ambiente muito ruim”, disse uma dessas pessoas, ligada ao setor de transmissão, argumentando que notas técnicas da Aneel já teriam apontado não haver erro material ou ilegalidade no cálculo das indenizações e que o caso estava encerrado na agência. A fonte ainda argumentou que as empresas tiveram “boa vontade” com a Aneel em 2020, quando aceitaram ampliar o prazo para recebimento dos valores devido à pandemia.
No mercado financeiro, já se dá como praticamente certo algum nível de corte nas receitas de elétricas com indenizações por RBSE nos próximos anos, em meio aos questionamentos ao cálculo que serão analisados pela Aneel, disse à Mover um analista de um grande banco, sem arriscar projeções.
Segundo as fontes, a diretoria da agência deve levar o assunto para discussão em reunião de diretoria nas próximas semanas.
*Esta reportagem foi publicada primeiro no Scoop, às 10H22min, exclusivamente aos assinantes do TC. Para receber conteúdos como esse em primeira mão, assine um dos planos do TC