Por Márcio Aith
São Paulo, 22/1/2023– Há poucos dias, a varejista brasileira Americanas entrou com pedido de recuperação judicial após revelar que suas reservas de caixa haviam evaporado. A empresa está em maus lençóis desde que foram reveladas “inconsistências contábeis” de mais de R$ 20 bilhões.
O escândalo começou quando o ex-CEO da companhia, Sergio Rial, renunciou ao cargo e informou que operações de financiamento de fornecedores, ou de “risco sacado” haviam sido contabilidzadas de forma inconsistente no balanço – ainda não se sabe se propositalmente ou não. Essa prática, comum entre os varejistas, oculta pagamentos de juros de empréstimos de fornecedores ao não classificá-los como dívidas financeiras. Rial renunciou nove dias após assumir a presidência da companhia.
Esse rombo na contabilidade das Americanas fragiliza a noção de que, em valores, a corrupção pública é maior do que as fraudes no setor privado. Com o crescimento do mercado de ações no Brasil, aumentaram as fraudes que antes existiam em pequena proporção. E mais: lesar um pequeno acionista é lesar o público, da mesma maneira que um escândalo de governo, por exemplo. O eleitorado e os acionistas se equiparam em suas fragilidades. Um exemplo é o fundo do Nubank “Reserva Imediata”, que tinha 1,2 milhão de cotistas e teve sua rentabilidade afetada pela crise na varejista.
Para se ter uma ideia, o grande escândalo de corrupção na Petrobras, comumente referido como “petrolão” – que veio à tona em 2014 e envolveu vários políticos e executivos de alto escalão em um esquema bilionário em propinas – secou dos cofres públicos R$ 6,2 bilhões (R$ 9,5 bilhões corrigidos pelo IPCA). O montante somaria, pouco menos da metade do rombo da Americanas. No Petrolão, 155 pessoas foram condenadas. A quebra da OGX, do bilionário Eike Batista, resultou em uma Recuperação Judicial de cerca de R$12 bilhões, perto de um quarto do valor de R$43 bilhões que constam no pedido de RJ da Americanas.
Outro escândalo político brasileiro veio à tona em 2005. O “mensalão” revelou R$ 101,6 milhões em desvios de recursos públicos em torno de alegações de corrupção e suborno generalizado para troca de votos. Corrigido pela inflação, o valor seria atualmente de R$ 265,7 milhões, tendo 24 pessoas sido condenadas.
O caso levou a uma série de prisões e condenações de executivos de alto nível, incluindo a de José Dirceu, condenado a mais de 20 anos de prisão em 2012. Vários outros políticos e empresários também foram condenados em envolvimento com o escândalo.
As cifras oficiais dos dois escândalos não produziram 50% do rombo financeiro contabilizado inicialmente na Americanas – que pode se revelar ainda maior.
Existe um paralelo entre os dois crimes. No governo, as vítimas são os contribuintes; são o conjunto da população, que não tem qualquer controle sobre seus governantes. No setor privado, as vítimas são os acionistas, debenturistas e credores da empresa.
Avalia-se também que há mais controle sobre a corrupção pública, por meio do Ministério Público, Polícia Federal e tribunais de contas, do que sobre fraudes privadas, administradas pela Comissão de Valores Mobiliários, entendida como avessa a punições graves.
Detectar fraudes contábeis, no entanto, pode ser mais difícil do que se parece. É o que mostra uma pesquisa conduzida por Artur Filipe Ewald Wuerges e José Alonso Borba. De acordo com o estudo “Fraudes Contábeis: uma estimativa da probabilidade de detecção”, apenas pouco mais de 1% das fraudes nas demonstrações financeiras são detectáveis.
A partir de uma amostra de 118 empresas acusadas de fraude pela SEC (Securities and Exchange Commission) – paralelo da CVM nos Estados Unidos, o estudo aponta que apenas 1,43% dos casos de fraudes nas demonstrações financeiras foram comprovados pelo órgão.
“É possível que a SEC não tenha conhecimento de todos os casos de fraude não relatados, ou talvez tenha conhecimento de alguns, mas prefira se concentrar em casos maiores. De fato, deixar alguns (ou muitos) crimes sem punição pode ser aceitável do ponto de vista econômico, visto que há custos associados à investigação e à impetração de processos”, diz o estudo.
Desde que o escândalo estourou, as ações da Americanas caíram mais de 94%, a empresa deixou de fazer parte do Ibovespa e tem enfrentado batalhas legais com credores, incluindo os bancos Bradesco e BTG Pactual.
A Americanas possui filiais espalhadas por todo o Brasil e emprega mais de 40.000 pessoas, com mais de 3.500 lojas. O pedido de falência da varejista levantou preocupações sobre o impacto no emprego de seus funcionários e na economia brasileira como um todo.
O acionista de referência da Americanas é o grupo 3G, de empresários brasileiros de successo e longa história corporativa no Brasil, especialmente por terem conduzido à Ambev ao posto de maior empresa de bebidas do mundo: Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. Lehmann é o homem mais rico do país, com patrimônio estimado em US$16,1 bilhões – praticamente o dobro do tamanho do rombo no balanço da Americanas.